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CINELIMITE x ANOTHER SCREEN
PRESENT

MULHERES:
UMA OUTRA HISTÓRIA

SIX BRAZILIAN FILMS ABOUT WOMEN AND WORK 
SEIS FILMES BRASILEIROS SOBRE MULHERES E TRABALHO 

ENGLISH SUBTITLES SOUS-TITRÉS EN FRANÇAIS SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL SOTTOTITOLI IN ITALIANO 한국어 자막 日本の字幕  TÜRKÇE ALT YAZILI 

Programmed by Another Screen (Daniella Shreir) & Cinelimite (William Plotnick, Matheus Pestana)

English texts edited by Missouri Williams & Daniella Shreir

Textos em português editados por Gustavo Menezes &
Glênis Cardoso 

Contributors / Contribuidoras: Karlee Rodrigues,
Karla Holanda & Carol Almeida

Research by / Pesquisa de William Plotnick and
Matheus Pestana

Web design by Daniella Shreir

Special thanks/Agradecimentos especiais:  
Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), Spectacle Theater, Cinemateca de Curitiba, Cinemateca Brasileira, Centro Técnico Audiovisual (CTAv), Glênis Cardoso, Waleska Antunes, Alejandra Rosenberg Navarro, Naná Xavier, Natália de Castro, Roberto Gervitz, Isaac Hoff, Débora Butruce and Cavi Borges.

Highlighting the essential contributions of women filmmakers to the documentary form in Brazil, these short form feminist works — originally presented on television, at regional feminist film clubs, or on the international festival circuit — address key labor struggles in spaces as diverse as the brothels of São Paulo’s Boca do Lixo to the textile markets of Santa Cruz do Capibaribe in Brazil’s Northeastern region.

Destacando as contribuições essenciais das realizadoras de cinema para a forma documental no Brasil, estes curtas feministas - originalmente exibidos na televisão, em clubes de cinema feministas regionais, ou em circuitos de festivais internacionais - abordam lutas trabalhistas fundamentais em espaços muito diversos, como dos bordéis da Boca do Lixo de São Paulo, para os mercados têxteis de Santa Cruz do Capibaribe, na região Nordeste do Brasil.

This programme is free but distribution, subtitling, writer and translation fees aren't. We receive no funding so please consider donating to us so we can keep this project available to all. We have a Patreon for regular supporters, or you can make a one-off donation here.

Nosso objetivo é tornar nossa programação o mais acessível possível, através da legendagem em várias línguas, e mantendo o acesso gratuito. Mas a distribuição, legendagem, redação e tradução custam dinheiro. Não recebemos nenhum financiamento, portanto, por favor, considere fazer uma doação para que possamos manter este projeto disponível a todos. Temos um Patreon para apoiadores regulares, ou você pode fazer uma doação única aqui.

Contents / Conteúdos

 

A note about the programme

Uma nota sobre o programa

I.
Introduction / Introdução

Women and Films Meet at a Union Hall

Mulheres e filmes se reúnem em uma sala sindical
by / por Carol Almeida

II.
'Creche-Lar'

dir. Maria Luiza d’Aboim, 1978

III.
Trabalhadoras Metalúrgicas

dir. Olga Futemma and Renato Tapajós, 1978

IV.
Interview with Olga Futemma

Entrevista com a Olga Futemma

V. 
Mulheres da Boca 

dir.  Inês Castilho and Cida Aidar, 1982


VI. 
Review of Mulheres da boca by Maria Rita Kehl (1982)
;
Crítica de filme Mulheres da boca por Maria Rita Kehl (1982)

VII. 
Interview with / Entrevista com a Inês Castilho


VIII.
Sulanca

dir.  Katia Mesel, 1986


IX.
Interview with / Entrevista com a Katia Mesel


X.
Mulheres: uma outra história 

dir.  Eunice Gutman, 1988


XI.
Interview with / Entrevista com a

Eunice Gutman e Maria Luiza Aboim


XII.
Amores de Rua 

dir.  Eunice Gutman, 1994

All six films in ‘Mulheres: Uma outra história’ have complicated preservation histories. ‘Creche-Lar’, by Maria Luiza d’Aboim, was considered “lost” for over 30 years and only discovered and subsequently digitised at the Cinemateca Brasileira within the last decade. ‘Trabalhadoras Metalurgicas’ by Olga Futemma and Renato Tapajós was shot on 16mm and the only available digital copy of the film was telecined to video in the nineties and later digitised (this despite the fact Futemma was the director of the Cinemateca, Latin America’s largest film archive, for almost a decade). 

 

‘Mulheres da Boca’ by Inês Castilho and Cida Aidar was also considered lost for decades; a poorly-conserved 16mm print was recently discovered at the Museum of Image and Sound in São Paulo and digitised. Watching this copy of ‘Mulheres da Boca’, the viewer will notice completely faded colour, a slightly distorted music track, and scratches throughout the film. 

 

The film elements of Katia Mesel’s ‘Sulanca’ are considered lost; the remaining copies of the work have been sourced from magnetic media formats including VHS and Betacam. ‘Sulanca’ was originally conceived as a 40-minute film but, as she mentions in the interview below, Mesel edited different shorter versions to submit to film festivals and television programs, given the mistrust of the medium-length film at the time. Multiple different versions of the film can be found online, each in varying degrees of quality and, at present, no existing film elements have been sourced in order to completely restore the film. We have chosen to present the version with the highest quality image and sound, digitised in HD from a Beta tape, and preserved by the Centro Técnico Audiovisual archive in Rio de Janeiro. 

 

The last two films in this program, ‘Mulheres: uma outra história’ and ‘Amores de Rua’, by Eunice Gutman, were shot on different formats (16mm and video respectively) and are both in need of further preservation attention. Gutman’s films are long overdue digitisation in HD, while the titles she shot on video, most of which are only available with hard-coded English subs, must also be re-mastered. 

 

The complicated preservation histories of all these titles reflect a longer history of women’s cinema being overlooked in Brazil both inside and outside the archives. Existing at the margins of canonical lists and rarely exhibited in cinemas or at festivals, the titles in our program have only been lauded more recently for their aesthetic brilliance and revolutionary spirit by feminist Brazilian film scholars, many of whom argue for their reinsertion into a larger discussion surrounding marginalised groups whose voices have not been considered throughout 20th century Brazilian film history. 

As the Cinemateca Brasileira reopens after a two year closure due to the Bolsonaro administration’s hostility towards culture, we have reason to hope that more feminist short films such as the ones we are exhibiting will be prioritised for preservation. Meanwhile, we believe it is vital to continue to exhibit, translate, and present the diversity of 20th-century women’s filmmaking in Brazil in whatever form it is currently available, as a means of ensuring these works and the filmmakers behind them are not forgotten, and to continue to advocate for new preservation measures to be taken for them.

Todos os seis filmes em 'Mulheres: Uma Outra História' têm histórias de preservação complicadas. 'Creche-Lar', de Maria Luiza d'Aboim, foi considerado "perdido" por mais de 30 anos e só foi descoberto e posteriormente digitalizado na Cinemateca Brasileira na última década. O 'Trabalhadoras Metalúrgicas' de Olga Futemma e Renato Tapajós foi filmada em 16mm e a única cópia digital disponível do filme foi telecineada para vídeo nos anos 90 e posteriormente digitalizada (isto apesar de Futemma ter sido a diretora da Cinemateca, o maior arquivo de filmes da América Latina, por quase uma década).

 

'Mulheres da Boca', de Inês Castilho e Cida Aidar também foi considerado perdido por décadas; uma cópia mal conservada em 16mm foi recentemente descoberta no Museu da Imagem e do Som em São Paulo e digitalizada. Ao assistir a esta cópia de 'Mulheres da Boca', o espectador notará uma cor completamente desbotada, uma trilha musical ligeiramente distorcida, e arranhões ao longo do filme. 

 

Os elementos do filme de Katia Mesel, 'Sulanca', são considerados perdidos; as cópias restantes da obra foram obtidas de formatos de mídia magnética, incluindo VHS e Betacam. Sulanca foi originalmente concebido como um filme de 40 minutos, mas, como ela menciona na entrevista abaixo, Mesel editou diferentes versões mais curtas para enviá-lo a festivais de cinema e programas de televisão, dada a desconfiança do filme de média-metragem à época. Várias versões diferentes do filme podem ser encontradas on-line, cada uma em diferentes graus de qualidade e, no momento, nenhum elemento do filme existente foi obtido a fim de restaurá-lo completamente. Optamos por apresentar a versão com a melhor qualidade de imagem e som, digitalizada em HD a partir de uma fita Beta, e preservada pelo arquivo do Centro Técnico Audiovisual do Rio de Janeiro. 

 

Os dois últimos filmes deste programa, 'Mulheres: Uma Outra História' e 'Amores de Rua', de Eunice Gutman, foram rodados em diferentes formatos (16mm e vídeo respectivamente) e ambos precisam de mais atenção na preservação. Os filmes de Gutman estão há muito atrasados na digitalização em HD, enquanto os títulos que ela filmou em vídeo, a maioria dos quais estão disponíveis apenas com legendas em inglês anexadas, também devem ser remasterizados. 

 

As complicadas histórias de preservação de todos estes títulos refletem uma história mais longa do cinema de mulheres que tem sido negligenciado no Brasil, tanto dentro como fora dos arquivos. À margem das listas canônicas e raramente exibidos em cinemas ou em festivais, os títulos em nosso programa só foram elogiados mais recentemente por seu brilho estético e espírito revolucionário por estudiosas feministas do cinema brasileiro, muitas das quais defendem sua reinserção em uma discussão maior em torno de grupos marginalizados cujas vozes não foram consideradas ao longo da história do cinema brasileiro do século XX. 

 

Com a reabertura da Cinemateca Brasileira após dois anos de fechamento devido à hostilidade do governo Bolsonaro à cultura, temos razões para esperar que mais curtas feministas como os que estamos exibindo sejam priorizados para sua preservação. Enquanto isso, acreditamos que é vital continuar a exibir, traduzir e apresentar a diversidade do cinema de mulheres do século XX no Brasil, seja qual for a forma em que ela esteja atualmente disponível, como forma de garantir que estas obras e as cineastas por trás delas não sejam esquecidas, e continuar a defender que novas medidas de preservação sejam tomadas para tal.

A Note on the Programme 
Uma nota sobre o programa

Preface

Women and Films Meet at a Union Hall

by Carol Almeida

In 1977, filmmakers Leilany Fernandes, Lygia Pape and Vera de Figueiredo were invited to take part in a group interview as part of the JB Festival, an annual celebration of Brazilian short films sponsored by the Jornal do Brasil, which ran from 1965 to ’79. Gathered in a studio in Rio de Janeiro, they discussed their work and challenges particular to the audiovisual industries. Predating the earliest film in the Another Screen x Cinelimite programme “Mulheres: Uma Outra Historia” by a year, their conversation addresses a series of broader struggles: equal pay, fair division of labour, sexual freedom, and women’s reproductive rights.[1] The context in which the filmmakers worked was often an unhealthy environment for the production and circulation of their work. At the time of the interview, Brazil was still living under the military dictatorship installed in 1964 with the support of the United States. After the persecutions, tortures and executions favoured by the military were legalised by the Ato Institucional nº 5 (Institutional Act No. 5) in 1968, the dictatorship became harsher, leading to a systematic persecution of cultural workers through the creation of censorship agencies. During the last years of the 1970s, when the regime came under pressure to transition to democracy, social movements such as those of women became central to the redemocratisation process, though the shadow of an extremely conservative society continued to linger.

 

As the seventies ended and the eighties arrived, women filmmakers began to engage in the struggle for a cinema aligned with feminist demands, expressing their own dissatisfaction with the Brazilian audiovisual industry. In May 1985, a landmark letter that came to be known as the Manifesto das Cineastas, was sent to Embrafilme, the federal government agency that supported film production in Brazil at the time. The authors demanded more support for the production of feature and short films by women for cinema and television, greater exhibition of these films in both existing and new spaces, technical training for women across various sectors of the industry, and publications committed to the analysis, research and inventory of women’s cinema, among other things. The last request was crucial. Without analysis and archival records, contemporary neglect becomes future erasure. The manifesto was signed by directors Ana Carolina, Ana Maria Magalhães, Eunice Gutman, Leilany Fernandes, Maria do Rosário, Regina Machado, Rose La Creta, Suzana de Moraes, Suzana Sereno, Tereza Trautman, Tetê Moraes, Tizuka Yamasaki and Vera de Figueiredo.
 

“Mulheres: Uma Outra Historia” explores the daily struggles and collective practices of women who demand decent working conditions, whether that work is in a factory that works with metals or a textiles workshop, in the National Congress or in the brothel. Maria Luiza d’Aboim’s ‘Creche-Lar’ (1978) documents the experience of an experimental model for creches in the city of Rio de Janeiro, where a women’s cooperative organises care for the children of its members, enabling some of them to work outside their homes; Olga Futemma and Renato Tapajós’ ‘Trabalhadoras Metalúrgicas’ (‘Metalworkers’, 1978) records a historic congress of women metalworkers; Katia Mesel’s ‘Sulanca’ (1986) is concerned with the economic changes in rural Pernambuco, in Brazil’s more economically precarious northeast, after the region’s main source of income becomes its seamstresses; while Eunice Gutman’s ‘Mulheres: uma outra história’ (‘Women: Another Story’, 1988) traces the women’s movement as it struggles for political representation in the National Congress, and her 'Amores de Rua' (‘Street Loves’, 1994) documents the working conditions of prostitutes in big cities.

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In ‘Sulanca’, a seamstress – one of the women behind the economic revolution in Santa Cruz do Capibaribe, which was propelled by the municipality’s women workers – balances a sewing machine on her head while crossing the frame of the shot, her body and the machine becoming a single entity. In ‘Amores de Rua’, a woman looks into the camera and questions the solidity of the dividing line between good and evil, between the ‘proper woman’ and the prostitute were erected. In ‘Mulheres: uma outra história’ a woman evokes the figure of the witch, moving from the domestic sphere to the supernatural: “brooms for flying, not for sweeping”. This play between conflicting elements or ideas – body and machine, proper woman and prostitute, domestic prison and freedom of flight – is a constant among the films of these women directors.

 

‘Amores de Rua’ and ‘Mulheres: uma outra história’ are great examples of this tension. These films are themselves political manifestos born from a desire to film women who put themselves in public spaces (the streets, the National Congress) in order to resist the private control of their bodies. Gutman, who had a background in philosophy and developed her interest in feminism through studying the work of Simone de Beauvoir in the seventies, left Brazil in the early years of the same decade fearing the repression of the military dictatorship. She returned at the end of the decade, once the power of the regime was starting to wane. It is precisely this transition period between dictatorship and democracy that saw the release of ‘Mulheres: uma outra história’, a documentary following the women who participated in the National Constituent Assembly,[2] who became some of the most influential political leaders in the country’s history, such as Jandira Feghali and Benedita da Silva (whom Eunice would make a film about in 1991).

 

As an expository documentary, ‘Mulheres: uma outra história’ sought to gather as many testimonies as possible from the 23 female deputies who managed to achieve the approval of most of their proposals for the Brazilian Constitution, which was being written at the time. Despite being underrepresented in the National Congress and having significant political differences among themselves, the women successfully reached an agreement as to what should be demanded from the constitution, legislating for the basic labor rights of Brazilian women. Two sequences in particular demonstrate the film’s political allegiances. The first is the documentation of the 1986 marcha ‘Fala Mulher’ (‘Speak Up, Women’ march). Benedita da Silva, one of the few black representatives in politics in the country at that time, is seen giving a speech, while some of the most famous actresses of the time, such as Elizabeth Savalla, Lucélia Santos, and Lúcia Veríssimo stand behind her, singing songs to celebrate the end of the dictatorship. Benedita looks at the camera and says, “speak, woman,” as if demanding our participation, too. The second sequence takes place in the federal capital of Brasília, where each part of the new Constitution is voted on. Before the beginning of the plenary session, the only bodies present inside Congress are the women hired to clean it. They wipe down the tables where the laws are decided and pick up the trash left behind by those who have power. Although brief, the sequence captures the gap between the lofty discourse of so-called “representative democracy” and the marginalisation it glosses over.

 

In ‘Street Lovers’, Gutman's most lauded film,[3] the testimonies of sex workers confront the moralising arguments of those who do not recognise prostitution as a valid form of labour. The speeches are interspersed with images of nightclubs and strip clubs, as cis- and trans* sex workers perform their everyday actions (walking the streets) and more symbolic ones that seem to have been staged for the camera (one woman is seen next to some Brazilian flags, another catwalks for the camera). The film’s strength lies in the camera’s back-and-forth between indoor and outdoor environments, as this contrasts the reality of the women’s experience with the conventional imagery of their bodies on display in the streets, and allows Gutman to question commonplace beliefs about prostitution.

 

Maria Luiza d’Aboim’s ‘Creche-Lar’ directs its camera to the domestic environment of work, highlighting the importance of community daycare centres, which enabled mothers to work outside their homes and achieve economic autonomy. Throughout 'Creche-Lar', women exchange their experiences of and reflections about gender, the social division of consumer goods, and women’s autonomy in sexist societies. The film is largely composed of close-ups of the faces of the mothers and their children overlaid by the d’Aboim’s narration. Far from the supposedly neutral voice-over of sociological documentaries, it is obvious from her voice that the filmmaker is passionately engaged with what she discovers. Not coincidentally, d'Aboim was and still is a “mulher de terreiro” – a woman who practices Candomblé – [4] and the way she films and talks about this crèche shows her interest in a circular structure that centres the idea of sharing and communities communities that share a different sense of time – not linear, but circular.[5]
 

Olga Futemma and Renato Tapajós’ ‘'Trabalhadoras Metalúrgicas'’, was commissioned by the Metalworkers Union of São Bernardo do Campo and Diadema, both municipalities in São Paolo state, to cover the 1st Congress of Women Metalworkers, held in 1978. Futemma, who was in the late stages of pregnancy at the time of filming, went to meet several of the female workers who attended the conference in order to hear their experiences and complaints about issues such as a gender pay gap, humiliating treatment from their superiors, and, of course, the ‘double’ workday, since despite working in large industries, they still had to take care of domestic chores on returning to their homes. The film is dark, filled with shadows and tired faces, reproducing in the materiality of the film the materiality of the factory.

 

Katia Mesel's ‘Sulanca’ is geographically distant from the other films in the programme, reflecting Mesel’s interest in documenting the region she comes from, but shares their interest in the changing economic dynamics surrounding the female labour force. The film is set in the city of Santa Cruz do Capibaribe in the Brazilian northeast, a place where women go in order to work as independent seamstresses, producing garments for a textiles industry that became nationally known. An original soundtrack composed by Cátia de França creates a rhythm resembling cordel, an oral poetic tradition very specific to this region, as Mesel shifts between panoramic shots of the rural surroundings, medium shots of the women and men who describe the industrial and commercial changes that have taken place, and close-ups of hands, visual shorthand for the seamstresses themselves.

 

Mesel’s name rarely appears in lists and books about “women in Brazilian cinema” despite the fact that, of all the female directors mentioned here, she has the longest and most prolific career as a filmmaker, having around 300 films under her belt, including shorts in Super-8, 16mm, 35mm, and digital. The absence of her name from conversations about female directors in Brazilian cinema is related to an issue not mentioned in the Manifesto das Cineastas – the centralisation of audiovisual resources in Rio-São Paulo. Filmmakers outside the southeast of Brazil have historically had far fewer resources and a less active voice in institutional decision-making, something that has only started to shift in the last couple of decades. Even when Brazilian women fight for their labour rights within the audiovisual sector, there is a stark difference between what they can accomplish if they are from Rio or São Paulo compared to other regions. The majority of the Manifesto’s signatories, of course, worked on the Rio-São Paulo axis and their oversight on this issue is a symptom of this structure.

 

I imagine this group of films gathered in a room like the women of the metalworkers’ union. The connections between them and the contexts surrounding them also speak to the unstable role of the female filmmakers not only in Brazil but more widely. Futemma directed and co-directed only five. Even Katia Mesel and Eunice Gutman, both with several titles during their careers, are excluded from the official pages of Brazilian cinema. When asked about her work as a director, Futemma, who has worked for many years at the Cinemateca Brasileira and became director of the institution in 2015, said: “I’m sure I was never a full-time filmmaker. I think, for example, Renato (Tapajós, her partner at the time) defined himself as a filmmaker, a documentarian, because he was. I was from time to time.”[6] Perhaps the most important feeling that arises from the experience of seeing all these short films together is one of collectivity. I think of the various video productions made with pedagogical intent in the late eighties by the feminist collective SOS Corpo (shown in 2021 at Fincar film festival), which were only made because they were conceived in coexistence with these short films by Gutman, d'Aboim, Futemma, and Mesel. I think about the reverberations of these films in contemporary stories like Nina Kopko's fiction film 'Chão de Fábrica' (2021), its characters inspired by those first women who decided to join the union struggle of metalworkers in the ABC region. Last of all, I think of the demand for “publications committed to the analysis, research and inventory of women’s cinema,” and hope that this programme and its accompanying essays can meet that desire, extending the reach of these films for a little longer, like the refrain in Roberto Carlos’ song which we hear in Trabalhadoras metalúrgicas: “Wherever you are, don't forget me."

 

[1] Available today on the Centro Técnico Audiovisual (CTAv) YouTube page

[2] The National Constituent Assembly (Assembleia Nacional Constituinte) established Brazil's current Constitution. It was founded on February 1st, 1987 and dissolved on July 22, 1988.

[3] The film won honourable mention at The New York Festivals in 1993, best video award at the  Jornada Internacional de Vídeos e Filmes da Bahia in 1994, best film award at La Mujer Y El Cine Mar Del Plata Festival in 1994, and first place at the IV Festival do Audiovisual Ação Mulher, Recife, PE, in 2010.

[4] Terreiros are the houses where the Candomblé religion is practiced.

From the book "Cinema women" in which the authors are talking about another film of hers: 'Teu nome veio de África' (1979):

"Only someone belonging to that universe could film with such intimacy and sensitivity a sacred ritual, restricted to the initiated. In this sense, while narrating Florenir's initiation ritual, the film also reflects Maria Luiza's multiple involvements with Candomblé. An "ekedi" herself – an important female figure in the Candomblé hierarchy, responsible for accompanying the orixás and taking care of the terreiro –, she was also married to a pai de santo. Maria Luiza moved, for seven years, between Gramacho (Duque de Caxias, RJ) and the city of Rio de Janeiro, with their small children in the back seat of their car, often at dawn, returning from rituals in which they actively participated."

[5] Inside the Terreiro, there is a circular structure of being in the world that is mirrored in the circles of mothers displayed by the film, even though the women in this case are being supported by Catholic nuns.

[6] Interview with Olga Futemma granted to researcher Karla Holanda in 2016. In: Feminino Plural: mulheres no cinema brasileiro.

Carol Almeida is a researcher, professor and film curator who received her PhD from the Federal University of Pernambuco, with research focusing on contemporary Brazilian cinema. She has been a member of the curatorial team of Olhar de Cinema since 2017, and has participated in the curation of festivals such as Recifest, Sesc Film Festival and, more recently, the 2nd Arab Women Film Festival in Brazil. 

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Mulheres e filmes se reúnem em uma sala sindical

por Carol Almeida

Em 1977, as realizadoras Leilany Fernandes, Lygia Pape e Vera de Figueiredo foram convidadas a participar de uma entrevista coletiva sobre o Festival JB, celebração anual de curtas-metragens brasileiros promovida pelo Jornal do Brasil, que aconteceu entre 1965 e 1979. Reunidas em um estúdio no Rio de Janeiro, elas discutiram seus trabalhos e desafios próprios da indústria audiovisual. Realizada um ano antes do primeiro filme que integra o programa Outra Tela x Cinelimite “Mulheres: Uma Outra História”, a conversa entre elas aborda uma série de lutas mais amplas: igualdade salarial, divisão justa do trabalho, liberdade sexual e direitos reprodutivos das mulheres.[1].O contexto em que as realizadoras trabalhavam era muitas vezes um ambiente insalubre para a produção e circulação de suas obras. Na época da entrevista, o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar instalada em 1964 com o apoio dos Estados Unidos. Depois que as opressões, torturas e execuções promovidas pelos militares foram legalizadas pelo Ato Institucional nº 5 (Ato Institucional nº 5) em 1968, a ditadura tornou-se mais dura, levando a uma perseguição sistemática de trabalhadores da cultura por meio da criação de agências de censura. Durante os últimos anos da década de 1970, quando o regime começou a ser pressionado a uma transição para a democracia, movimentos sociais como os das mulheres tornaram-se centrais no processo de redemocratização, embora a sombra de uma sociedade extremamente conservadora perdurasse no ar.

Com o fim dos anos 1970 e a chegada dos anos 80, as cineastas começaram a se engajar na luta por um cinema alinhado a demandas feministas, expressando sua própria insatisfação com a indústria audiovisual brasileira. Em maio de 1985, uma carta histórica conhecida como "Manifesto das Cineastas" foi enviada à Embrafilme, a agência do governo federal que apoiava a produção cinematográfica no Brasil na época. As autoras exigiam mais apoio para a produção de longas e curtas-metragens de mulheres para cinema e televisão, maior exibição desses filmes em espaços já existentes e novos, capacitação técnica para mulheres em diversos setores da indústria e publicações comprometidas com a análise, pesquisa e inventário do cinema feminino, entre outras coisas. O último pedido foi crucial. Sem análise e registros de arquivo, a negligência contemporânea torna-se apagamento futuro. O manifesto foi assinado pelas diretoras Ana Carolina, Ana Maria Magalhães, Eunice Gutman, Leilany Fernandes, Maria do Rosário, Regina Machado, Rose La Creta, Suzana de Moraes, Suzana Sereno, Tereza Trautman, Tetê Moraes, Tizuka Yamasaki e Vera de Figueiredo.

O programa “Mulheres: Uma Outra História” explora as lutas cotidianas e as práticas coletivas de mulheres que reivindicam condições dignas de trabalho, seja em uma fábrica metalúrgica ou em uma oficina têxtil, no Congresso Nacional ou em um prostíbulo. "Creche-Lar" de Maria Luiza d'Aboim (1978) documenta a experiência de um modelo experimental de creche na cidade do Rio de Janeiro, onde uma cooperativa de mulheres organiza o cuidado às crianças de uma comunidade, possibilitando que algumas delas trabalhem fora suas casas; “Trabalhadoras Metalúrgicas”, de Olga Futemma e Renato Tapajós, registra um congresso histórico de mulheres metalúrgicas; “Sulanca” (1986), de Katia Mesel, trata das mudanças econômicas na zona rural de Pernambuco, em uma região economicamente mais precária do Brasil, depois que a principal fonte de renda da região se torna as costureiras que nela trabalham; enquanto “Mulheres: uma outra história”, de Eunice Gutman, traça o movimento de mulheres em sua luta pela representação política no Congresso Nacional, e “Amores de Rua” (1994), da mesma diretora, documenta a condições de trabalho de prostitutas nas grandes cidades.

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Em “Sulanca”, uma costureira – uma das mulheres por trás da revolução econômica em Santa Cruz do Capibaribe, impulsionada pelas trabalhadoras do município – equilibra uma máquina de costura na cabeça enquanto cruza o quadro de um canto a outro, seu corpo e o da máquina tornando-se uma única entidade. Em "Amores de Rua", uma mulher olha para a câmera e questiona a solidez com que a linha divisória entre o bem e o mal, entre o que é uma ‘mulher decente’ e uma prostituta foi erguida. Em "Mulheres: uma outra história" uma mulher evoca a figura da bruxa, brincando entre a esfera doméstica e a sobrenatural: “vassouras para voar, não para varrer”. Esse jogo entre elementos ou ideias conflitantes – corpo e máquina, mulher decente e prostituta, prisão doméstica e liberdade de fuga – é uma constante entre os filmes dessas diretoras.

“Amores de Rua” e “Mulheres: uma outra história” são grandes exemplos desse tensionamento. Esses filmes são, eles próprios, manifestos políticos nascidos do desejo de filmar mulheres que se colocam em espaços públicos (as ruas, o Congresso Nacional) para resistir ao controle privado de seus corpos. Gutman, que tinha formação em filosofia e desenvolveu seu interesse pelo feminismo estudando a obra de Simone de Beauvoir nos anos 1970, deixou o Brasil nos primeiros anos da mesma década temendo a repressão da ditadura militar. Voltou ao país ainda no final da década, quando o poder do regime começava a diminuir. É justamente nesse período de transição entre ditadura e democracia que foi lançado "Mulheres: uma outra história", documentário que acompanha as mulheres que participaram da Assembleia Nacional Constituinte,[2] figuras que se tornaram algumas das lideranças políticas mais influentes da história do país, como Jandira Feghali e Benedita da Silva (sobre quem Eunice faria um filme em 1991).

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Como documentário expositivo, "Mulheres: uma outra história" busca reunir o maior número possível de depoimentos entre as 23 deputadas que conseguiram a aprovação da maior parte de suas propostas para a Constituição brasileira que estava sendo escrita na época. Apesar de serem sub-representadas no Congresso Nacional e terem divergências políticas significativas entre si, essas mulheres conseguiram chegar a um acordo sobre o que deveria ser exigido da Constituição, legislando sobre direitos trabalhistas básicos de mulheres brasileiras. Duas sequências em particular demonstram as lealdades políticas do filme. A primeira é a documentação da marcha ‘Fala Mulher’ de 1986. Benedita da Silva, uma das poucas representantes negras na política do país na época, é vista discursando, enquanto algumas das atrizes mais famosas daquele momento, como Elizabeth Savalla, Lucélia Santos e Lúcia Veríssimo, a acompanham na marcha, cantando músicas que celebravam o fim da ditadura. Benedita olha para a câmera e diz “fala, mulher”, como se exigisse nossa participação também. A segunda sequência acontece na capital federal de Brasília, onde a nova Constituição estava sendo votada. Antes do início do plenário, os únicos corpos presentes dentro do Congresso são das mulheres contratadas para limpá-lo. Elas limpam mesas onde as leis são decididas e recolhem o lixo deixado por quem detém o poder. Embora breve, a sequência captura o descompasso entre o discurso altivo da chamada “democracia representativa” e a marginalização que esse discurso encobre.

Em "Amores de rua", o filme mais premiado de Gutman,[3] os depoimentos de profissionais do sexo confrontam os argumentos moralizantes daqueles que não reconhecem a prostituição como uma forma válida de trabalho. As falas são intercaladas com imagens de boates e clubes de striptease, enquanto trabalhadoras do sexo cis e trans* realizam suas ações cotidianas (andar pelas ruas), acrescentando outras sequências mais simbólicas que parecem de alguma forma encenadas para o filme (uma mulher posa tendo ao fundo bandeiras brasileiras, outra desfila em direção à câmera). A força do filme está no vai-e-vem entre ambientes internos e externos, criando um contraste a realidade da experiência dessas mulheres e o imaginário convencional de seus corpos expostos nas ruas, e permite a Gutman questionar crenças comuns sobre a prostituição.

"Creche-Lar", de Maria Luiza d’Aboim, direciona sua câmera para o ambiente doméstico de trabalho, destacando a importância de creches comunitárias, que possibilitaram a mães trabalhar fora de casa e alcançar autonomia econômica. Ao longo do filme, as mulheres trocam experiências e reflexões sobre gênero, divisão social dos bens de consumo e autonomia das mulheres nas sociedades sexistas. O curta é composto em grande parte por closes dos rostos das mães e seus filhos, sobrepostos pela narração de d’Aboim. Longe da locução supostamente neutra dos documentários sociológicos, se torna óbvio pelo tom de sua voz que a diretora está afetivamente engajada com o que descobre. Não por acaso, d'Aboim foi e ainda é uma “mulher de terreiro” – praticante do Candomblé – e a forma como ela filma e fala sobre esta creche mostra seu interesse por uma estrutura circular centrada da ideia de comunidades que partilham um diferente regime de tempo.

"Trabalhadoras Metalúrgicas", de Olga Futemma e Renato Tapajós, foi um filme feito a pedido do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ambos municípios paulistas, para cobrir o 1º Congresso de Mulheres Metalúrgicas, realizado em 1978. Futemma, que estava no final da gravidez no momento das filmagens, foi ao encontro de várias das trabalhadoras que participaram da conferência para ouvir suas experiências e reclamações sobre questões como disparidade salarial entre homens e mulheres, tratamento humilhante de seus superiores e, claro, a 'dupla' jornada de trabalho, pois apesar de trabalharem em grandes indústrias, ainda tinham que cuidar de afazeres domésticos uma vez que voltavam para suas casas. O filme é escuro, repleto de sombras e rostos cansados, reproduzindo na materialidade fílmica a materialidade fabril.

"Sulanca", de Katia Mesel, está geograficamente distante dos outros filmes do programa, refletindo o interesse de Mesel em documentar a região de onde ela vem, mas compartilha sua atenção às alterações nas dinâmicas econômicas em torno da força de trabalho feminina. O filme se passa na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, no nordeste brasileiro, cidade para onde as mulheres vão trabalhar como costureiras independentes, produzindo roupas para uma indústria têxtil que se tornou conhecida nacionalmente. Uma trilha sonora original composta por Cátia de França cria um ritmo que lembra o cordel, uma tradição poética oral muito própria da região, enquanto Mesel transita entre planos panorâmicos do meio rural, planos médios das mulheres e dos homens que descrevem as mudanças industriais e comerciais que aconteceram, e close-ups de mãos, taquigrafia visual para as próprias costureiras.

Importante notar que o nome de Mesel raramente aparece em listas e livros sobre “mulheres no cinema brasileiro” ainda que, de todas as diretoras já mencionadas, ela tenha uma carreira mais longa e prolífica como cineasta, com cerca de 30 filmes em seu currículo, incluindo curtas em Super-8, 16mm, 35mm e digital. A ausência de seu nome nas conversas sobre diretoras do cinema brasileiro está relacionada a uma questão não mencionada no Manifesto das Cineastas – a centralização dos recursos audiovisuais no eixo Rio-São Paulo. Cineastas fora do sudeste do Brasil têm historicamente bem menos recursos e uma voz menos ativa na tomada de decisões institucionais, algo que só começou a mudar nas últimas duas décadas. Mesmo quando as mulheres brasileiras lutam por seus direitos trabalhistas no setor audiovisual, há uma grande diferença entre o que elas podem realizar estando no eixo Rio-São Paulo em comparação com outras regiões. A maioria das signatárias do Manifesto, é claro, trabalhou nesse eixo e a negligência sobre a questão é um sintoma dessa estrutura.

Imagino esse grupo de filmes reunidos em uma sala, tal como as mulheres do sindicato dos metalúrgicos se reuniam. As conexões entre os filmes e os contextos que os cercam também falam sobre a situação instável das realizadoras não apenas no Brasil, mas no mundo de forma mais ampla. Futemma dirigiu e co-dirigiu apenas cinco filmes. Mesmo Katia Mesel e Eunice Gutman, ambas com vários títulos ao longo de suas carreiras, costumam ser excluídas das páginas oficiais do cinema brasileiro. Questionada sobre seu exercício como diretora, Futemma, que trabalhou por muitos anos na Cinemateca Brasileira e se tornou diretora da instituição em 2015, chegou a declarar: “Tenho certeza de que nunca fui cineasta em tempo integral. Acho que, por exemplo, o Renato (Tapajós, seu parceiro na época) se definia como cineasta, documentarista, porque era. Eu era (cineasta) de vez em quando.”[4] Talvez o sentimento mais importante que surge da experiência de ver todos esses curtas juntos seja o de coletividade.

Penso nas várias produções de vídeo feitas com intuito pedagógico no final dos anos oitenta pelo coletivo feminista SOS Corpo (exibido em 2021 no festival de cinema Fincar), que só foram feitas pois concebidas em coexistência com esses curtas-metragens de Gutman, d' Aboim, Futemma e Mesel. Penso nas reverberações desses filmes em histórias contemporâneas como o filme de ficção de Nina Kopko, “Chão de Fábrica” (2021), com personagens inspiradas naquelas primeiras mulheres que decidiram se juntar à luta sindical dos metalúrgicos do ABC. Por fim, penso na demanda por “publicações comprometidas com a análise, pesquisa e inventário do cinema feminino”, demanda do Manifesto das Cineastas. E espero que este programa e seus ensaios que o acompanham possam atender a esse desejo, prologando o alcance desses filmes por mais tempo, tal como pede o refrão da música de Roberto Carlos que ouvimos em "Trabalhadoras metalúrgicas": “Onde você estiver, não se esqueça de mim”.

 

[1] Vídeo disponível hoje na página do YouTube do Centro Técnico Audiovisual (CTAv).

[2] A Assembleia Nacional Constituinte que ditou o texto da atual Constituição. Foi fundada no dia 1º de fevereiro de 1987 e dissolvida em 22 de julho de 1988.

[3] O filme ganhou menção honrosa no The New York Festivals em 1993, prêmio de melhor vídeo Jornada Internacional de Vídeos e Filmes da Bahia em 1994, prêmio de melhor filme no Festival La Mujer Y El Cine Mar Del Plata em 1994, e primeiro lugar no IV Festival do Audiovisual Ação Mulher, Recife, PE, em 2010.

[4] Entrevista com Olga Futemma dada à pesquisadora Karla Holanda, em 2016. Cinema brasileiro (moderno) de autoria feminina. In: Feminino Plural: mulheres no cinema brasileiro.

Pesquisadora, professora e curadora de cinema. Doutora no programa de pós-graduação em Comunicação na UFPE, com pesquisa centrada no cinema contemporâneo brasileiro. Faz parte da equipe curatorial do Festival Olhar de Cinema/Curitiba desde 2017, e já participou da curadoria do Recifest, da Mostra Sesc de Cinema e, mais recentemente, da 2ª Mostra de Cinema Árabe Feminino. 

Essay

CRECHE-
LAR

HOME-DAYCARE

dir. Maria Luiza d’Aboim
1978, 8min.
16mm. Colour.

WITH ENGLISH SUBTITLES BY JORDAN B. JONES
AVEC SOUS-TITRES FRANCAIS DE ZOÉ BARNES

CON SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL DE LUCIA DE LA TORRE
CON SOTTOTITOLI IN ITALIANO DI MIRKO CERULLO
최모니카의 한국어 자막으로
日本語字幕: 町田萌 
TÜRKÇE ALT YAZI ÇEVİRİSİ: ÖYKÜ SOFUOGLU 

During the seventies, filmmaker Maria Luiza d’Aboim was part of the Center for Brazilian Women (CMB), a feminist organisation that provided a forum for thinking through the place of women in society. The lack of creches and the urgent need for public infrastructure that might support working mothers were recurring points of discussion at the centre. D’Aboim’s first film, ‘Creche-Lar’ (‘Home-Daycare’) documents the search for practical solutions as implemented by an experimental community project in Vila Kennedy, Rio de Janeiro, which employed mothers from the local community and paid them in money, food and household goods. 

‘Creche-Lar’ was considered lost for thirty years until the original 16mm element was discovered at the Cinemateca Brasileira and subsequently newly digitised.

Maria Luiza d’Aboim (b. 1943, Rio de Janeiro) studied Architecture in Israel before returning to Brazil to become a psychologist. In 1975, she joined the feminist movement and helped found the Brazilian Women's Center, together with Rosa Marie Muraro and Moema Toscano. One of the main concerns of the movement was the need for mothers to have somewhere to leave their children while they went to work, which led to the making of ‘Creche-Lar’ (1978) Her films reflect the themes she has been been interested in investigating throughout her life: feminism, violence against women, candomblé, the indigenous cause, and agroecology. 

Since 2007, she has lived in Teresópolis, in the state of Rio de Janeiro, where she is an organic producer and agroecology activist. 

Durante os anos 70, a cineasta Maria Luiza d'Aboim fez parte do Centro da Mulher Brasileira (CMB), uma organização feminista que forneceu um fórum para pensar sobre o lugar da mulher na sociedade. A falta de creches e a necessidade urgente de infra-estrutura pública que pudesse apoiar mães trabalhadoras eram pontos recorrentes de discussão no centro. O primeiro filme de D'Aboim, 'Creche-Lar' ('Home-Daycare') documenta a busca de soluções práticas, conforme implementadas por um projeto comunitário experimental na Vila Kennedy, Rio de Janeiro, que empregava mães da comunidade local e as remunerava em dinheiro, alimentos e bens domésticos.

A 'Creche-Lar' foi considerada perdida por trinta anos até que o elemento original de 16mm foi descoberto na Cinemateca Brasileira e posteriormente digitalizado. 

Maria Luiza d’Aboim (b. 1943, Rio de Janeiro) estudou Arquitetura em Israel antes de retornar ao Brasil para se tornar uma psicóloga. Em 1975, ela entrou para o movimento feminista e ajudou a fundar o Centro da Mulher Brasileira, junto com Rosa Marie Muraro e Moema Toscano. Uma das principais preocupações do movimento era a necessidade de que as mães tivessem algum lugar para deixar seus filhos enquanto iam para o trabalho, o que levou à realização de 'Creche-Lar' (1978). Seus filmes refletem os temas que ela esteve interessada em investigar ao longo de sua vida: feminismo, violência contra a mulher, candomblé, a causa indígena e a agroecologia. 

Desde 2007, vive em Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro, onde é produtora orgânica e ativista da agroecologia.

This programme is free but distribution, subtitling, writer and translation fees aren't. We receive no funding so please consider donating to us so we can keep this project available to all. We have a Patreon for regular supporters, or you can make a one-off donation here.

Nosso objetivo é tornar nossa programação o mais acessível possível, através da legendagem em várias línguas, e mantendo o acesso gratuito. Mas a distribuição, legendagem, redação e tradução custam dinheiro. Não recebemos nenhum financiamento, portanto, por favor, considere fazer uma doação para que possamos manter este projeto disponível a todos. Temos um Patreon para apoiadores regulares, ou você pode fazer uma doação única aqui.

'Creche-Lar' (1978)
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TRABALHADORAS 
METALÚRGICAS

dir. Olga Futemma & Renato Tapajós
1978, 17min.
16mm. Colour.
Telecined to video format in the nineties, the film has yet to receive proper restoration.

WOMEN METALWORKERS

WITH ENGLISH SUBTITLES BY WALESKA ANTUNES
AVEC SOUS-TITRES FRANCAIS DE ZOÉ BARNES

CON SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL DE LUCIA DE LA TORRE
CON SOTTOTITOLI IN ITALIANO DI MIRKO CERULLO
최모니카의 한국어 자막으로
日本語字幕: 町田萌 
TÜRKÇE ALT YAZI ÇEVİRİSİ: ÖYKÜ SOFUOGLU 

In the late seventies, a group of Brazilian documentary filmmakers traveled to the ABC region in the suburbs of São Paulo with the purpose of recording a wave of worker strikes taking place in response to the negligence of the increasingly powerful and abusive automotive industry. Documenting striking women metal workers, Olga Futemma and Renato Tapajós’ Trabalhadoras Metalúrgicas is a particularly vigorous work among the films produced during this moment in São Paulo worker history. Scenes filmed during the first Congress of Metallurgical Women of São Bernardo and Diadema in 1978 are intercut with images documenting the appalling working conditions against which the women featured in the congress were striking.


Olga Toshiko Futemma graduated in 1974 in Social Communication, specialising in cinema, from the University of São Paulo. She began her professional activities as a film programmer for the city’s Lasar Segall Museum. During her career, she edited several short films on various social movements. From 1981 on, she began to dedicate herself to the study of Japanese immigration in Brazil, directing three films on the subject. At the same time, she has researched Brazilian cinema, first at the Cinema Department of IDART and, from 1984 on, as a technician in the collection at the Cinemateca Brasileira. In 2015, she became director of the Cinemateca, and remained in that position until it was forced to close in 2020 due to lack of funding support from the Bolsonaro administration. Following the reopening of the archive this year, Olga has returned to work in its collection management.Since 2007, she has lived in Teresópolis, in the state of Rio de Janeiro, where she is an organic producer and agroecology activist. 


No final dos anos setenta, um grupo de cineastas brasileiros de documentários viajou para a região do ABC, nos subúrbios de São Paulo, com o objetivo de registrar uma onda de greves de trabalhadores em resposta à negligência da indústria automotiva, cada vez mais poderosa e abusiva. Documentando as greves de trabalhadoras metalúrgicas, o filme "Trabalhadoras Metalúrgicas", de Olga Futemma e Renato Tapajó, é um trabalho particularmente vigoroso dentre os filmes produzidos durante este momento da história do trabalhador paulistano. Cenas filmadas durante o primeiro Congresso de Mulheres Metalúrgicas de São Bernardo e Diadema em 1978 são intercaladas com imagens documentando as péssimas condições contra as quais as mulheres que participaram do congresso estavam em greve.

Olga Toshiko Futemma formou-se em 1974 em Comunicação Social, com especialização em cinema, pela Universidade de São Paulo. Ela iniciou suas atividades profissionais como programadora de cinema para o Museu Lasar Segall. Durante sua carreira, editou vários curtas-metragens sobre diversos movimentos sociais. A partir de 1981, ela começou a se dedicar aos estudos da imigração japonesa no Brasil, dirigindo três filmes sobre o assunto. Ao mesmo tempo, ela pesquisou o cinema brasileiro, primeiro no Departamento de Cinema do IDART e, a partir de 1984, como técnica do acervo da Cinemateca Brasileira. Em 2015, ela se tornou diretora da Cinemateca, e permaneceu nessa posição até o fechamento da mesma em 2020, devido à falta de apoio financeiro do governo Bolsonaro. Após a reabertura do arquivo neste ano, Olga voltou a trabalhar na gestão do acervo..

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'Trabalhadoras Metalúrgicas' (1978)

KARLA HOLANDA: You made your second film, 'Trablhadoras Metalurgicas', in 1978. The film is the only one you made in partnership with Renato Tapajós, your partner at the time.

 

OLGA FUTEMMA: In 1978, we received a proposal from the São Bernardo do Campo Metalworkers Union [Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo] to make a film about women who worked in steel plants. They didn't actually want a film about women at work, rather one that documented the Union’s First Congress and I said: "No, I am not going to cover the congress. I will film it, but I want to make a film about the women metalworkers". (...) I ended up doing neither of those things so it’s a film that bothers me a lot. It doesn't have a focus, and this bothers me. But yes, we made the film. The union liked it very much and the women enjoyed taking part in it. I was pregnant, very pregnant, filming and, well... In fact, I knew I was pregnant when Renato was put in prison because of the book he wrote, Em Câmara Lenta [“In Slow Motion”], which the police thought was a subversive book, so they arrested him. He was in jail for a month, and it was during this month that I found out I was pregnant with Bruno, my oldest son.

 

KARLA: You mentioned this First Congress... Was this congress connected to the historical moment, in 1975, when the UN declared a ‘Decade of the Woman’?

 

OLGA: I think so. It was not by chance that the Union held this congress at that moment. But also, inside the union there was a very strong feminine force. Women really got together there, there was a politicisation of their situation, so one of the refrains of the documentary is “equal work, equal pay”, something that was very far from being reality at the time. So, during one of the small meetings between the women who participated in the congress, I asked the crew to film some details: shoes, hands, workers' hands – but all well cared for, some with make-up... My goodness did this spark a debate! The women who I filmed and the critics and public said that I shouldn't have filmed these things. But I thought it was so beautiful. It was atypical – not home, nor work but a congress, a union, and I realised that they had produced all of this themselves, and I think that these things are worth documenting, you know? (...) But I anticipated some negative reactions, people saying I shouldn't have given importance to these things, because, after all, they are frivolities.

 

KARLA: Were you attuned to what the women were demanding during the congress?

 

OLGA: I was. Because of all the reading and the discussions on the left, it all was very clear to me. Another reaction to the film, and I think I can defend this one, is that my main focus was on this economic issue of "equal pay for equal work" and I didn't go into other dimensions: family life, sex life. I decided to focus on the economic issue because I really thought, maybe mistakenly, that it was the most important thing, that once you achieve that, everything else become easier – I don't mean easy, but things fall into place, don't they? So, at that moment, I thought that to make a film calling for freedom in other aspects of women's lives was not as important.

 

KARLA: Where did this film circulate, Olga? In the union?

 

OLGA: In the union. At that time there was a very dynamic, broad network of film clubs as well. We as documentarians formed a distribution company – CDI [Independent Cinema Distribution] – and the films really did circulate: in unions, schools, neighbourhood associations, film clubs.

 

KARLA: Olga, do you think the fact that you are a woman has in any way had an impact on your filmmaking?

 

OLGA: I think so. I am me plus my circumstances. And, of course, being a woman has an impact on one’s professional life in many ways. In my time…  At the beginning of "my time", there were no women directors. Ana Carolina had a theory that is very strange... It is that the tripod was very heavy and at that time, when you had to carry things around... I think it's a joke, but it was a very masculine world, very. So, women were left to be what? Script girls, editors, the latter of which I was. Even in the cinematographic department, there was little work. So, there was a battle to get your proposals accepted in public competitions for financing. I'm certain I was never a full-time filmmaker. I think  Renato defined himself as a filmmaker, a documentarist, because he was. I was an occasional filmmaker. But I was always close to the world of cinema, through research and so forth, which also – in addition to my other work – allowed me to have a salary and therefore some stability to support my children. And there is this thing, I think, that is more difficult to identify and even more difficult to analyse, which is the notion of the “female gaze”. For a long time, I’ve said, "No, that is nonsense, nonsense – it's not true.” But it is because you choose a theme, you choose a way of framing things; you carry this way of being around in the world and the way of being a woman is different from the way of being a man. But I wouldn't know how to identify it, I wouldn't know. Everybody connects the idea of the “female gaze” with tenderness and I don't think that has anything to do with it. I know that I never managed to – and nor did I seek to –  make a masculine film, you know, a macho film. For example, a film like Apocalypse Now. No, it wouldn't even cross my mind. I think that, along with that, the influence of Japanese culture, and cinema, impacted my work. But there is also the fact of being a woman. And today, at the age of 65, I am in a better position to say what i've just said, at a better vantage point to observe it.

Interview with
Olga Futemma

From: Holanda, K. Pegadas do cinema de Olga Futemma. Lumina, [S. l.], v. 14, n. 2, p. 171–185, 2020.
 

Entrevista com a
Olga Futemma

KARLA HOLANDA: Você vai fazer o seu segundo filme quatro anos depois, em 1978, que é Trabalhadoras Metalúrgicas, o único filme que você faz em parceria, que é com o Renato Tapajós.

 

OLGA FUTEMMAEm 1978 – você quediz, eu sou péssima para datas –, houve essa proposta do Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo para fazer um filme sobre as trabalhadoras. Na verdade, eles queriam não um filme sobre as trabalhadoras metalúrgicas, eles queriam um filme de registro do Primeiro Congresso da Mulher Metalúrgica de São Bernardo do Campo e eu disse: “Não, eu não vou fazer uma cobertura do congresso. Eu vou filmar o con-gresso, mas eu queria fazer um filme sobre as mulheres metalúrgicas”. (...) E acabou que eu não fiz nem uma coisa nem outra; então é um filme que me incomoda muito. Ele não tem um centro, ele parece um biombo, que vai abrindo... Eu acho que ele não tem centro e isso me incomoda um pouco. Mas sim, foi: o sindicato gostou muito, as mulheres gostaram de participar. Eu estava grávida, muito grávida já, filmando e, en-fim... Aliás, eu soube que estava grávida quando o Renato estava na prisão por conta do livro... Do livro “Em Câmara Lenta”, que acharam que era um livro subversivo, aí o prenderam. Ele ficou um mês preso e, nesse mês, eu descubro que estava grávida do Bruno, meu filho mais velho.

 

KARLA: Você falou desse Primeiro Congresso da Mulher Metalúrgica... Esse congresso tinha a ver com o momento, 1975, quando a ONU determinou que seria a Década da Mulher, e isso deflagrou uma porção de movimentos...?

 

OLGA: Eu acho que sim. Não foi por acaso que o sindicato fez esse congresso nesse momento. Mas também dentro do sindicato havia uma força feminina muito grande. Elas realmente se reuniam lá, havia uma politização da situação delas, então um dos motes do documentário era ‘trabalho igual, salário igual’, coisa que estava muito longe de acontecer. Então, nesse documentário, numa das peque-nas  reuniões  entre  as  mulheres  que  participaram  do  congresso,  eu  pedi  pra  que  se  filmassem uns detalhes, assim: sapatos, mãos, mãos de trabalhadora, mas bem cuidadas, algumas com maquiagem... Nossa, depois isso deflagrou uma discussão! [Disseram] que eu não devia ter me detido nessas coisas... Mas é que eu achei tão bonito. É um momento outro - não é casa, nem trabalho -, é um congresso, um sindicato, e eu percebi que elas tinham se produzido, e eu acho que essas coisas salvam, sabe? (...) Mas eu soube que algumas reações eram assim, que eu não devia ter dado importân-cia, porque, afinal de contas, é uma frivolidade.

 

KARLA: Você estava antenada [com as mulheres reivindicando igualda-de]?

 

OLGA: Antenada. Por conta de todas as leituras e das discussões, va-mos dizer, à esquerda, aquilo tudo fazia muito sentido para mim. Uma outra reação ao filme, e eu acho que dou razão a essa reação, é que todo o meu foco foi nessa questão econômica ‘salário igual para trabalho igual’ e eu não entrei nas outras dimensões – vida familiar, vida sexual –, eu resolvi ficar ali porque eu realmente achava aquilo,talvez equivocadamente, achava o mais importante, que na hora que a gente conse-guisse isso as outras coisas ficam mais - não digo fáceis, mas - ficam mais de acordo, não? Então, naquele momento, achei que fazer um filme conclamando a liberdade em outros aspectos da vida da mulher não era o caso. Eu hoje discuto isso. Eu acho que eu poderia ter, pelo menos, antecipado alguma coisa.

KARLA: Esse filme circulou onde, Olga, no sindicato?

 

OLGA: No sindicato. Na época, havia uma rede de cineclubes muito dinâmica, muito grande, era ampla a rede, nós até – o conjunto de cineastas, docu-mentaristas – formamos uma distribuidora, CDI – Cinema Distribuição Independen-te –, e os filmes realmente circulavam: sindicatos, escolas, associações de bairros, cineclubes.

 

KARLA: Olga, você acha que o fato de você ser mulher interferiu de al-guma forma no seu jeito de fazer filme?

 

OLGA: Acho que sim. “Eu sou eu mais minhas circunstâncias”. E o fato de ser mulher incide sobre a profissão de várias maneiras. Na minha época não; no começo, não tinham mulheres na direção. A [cineasta] Ana Carolina tinha uma teoria que é bem estranha, mas que talvez seja... É que o tripé era muito pesado e naquela época do começo, onde tinha que carregar coisas... Eu acho que é um chiste, mas... Na verdade, era um mundo muito masculino, muito masculino. Então, as mulheres fica-vam como? Como script girl (...), como montadora, que eu fui. Mesmo na fotografia, muito pouco. Então tinha, sim, uma batalha para conseguir colocar as suas propostas em editais e tal. Isso de um lado. De outro, os tempos, sobretudo para quem precisa ter um emprego regular, salário, porque tem filhos e porque tem uma família e tal, são também muito diferentes. Eu tenho certeza que eu não fui cineasta de tempo integral nunca, nunca. Eu acho que, por exemplo, o Renato [Tapajós] se definia como cineasta, documentarista, porque ele era. Eu era de vez em quando. Mas estava sempre próxi-ma do mundo do cinema, através de pesquisa e tal, que também - além de tudo - me permitia ter salário e, portanto, ter alguma regularidade nas contas, principalmente no investimento em relação aos meus filhos. E tem essa coisa, acho, mais difícil de identificar e muito mais difícil ainda de analisar, que é o olhar feminino. Durante muito tempo eu disse “não, bobagem, bobagem”, não é verdade. Tem! Tem porque você escolhe um tema, escolhe um jeito de enquadrar; você carrega esse seu jeito de ser do mundo e o jeito de ser mulher é diferente do jeito de ser homem. Mas eu não saberia identificar, não saberia. Todo mundo liga um pouco com delicadeza, eu acho que não tem nada que ver. Eu sei que eu nunca consegui fazer um filme - e também não busquei - fazer um filme másculo, sabe, coisa de macho. Não, não conseguia. Por exemplo, um filme como Apocalipse Now, eu, não...  Não! Nem me passa pela cabeça. Eu acho que também junto com isso, a influência da cultura japonesa, do cinema, tudo isso. Mas tem uma porção aí que é ser mulher. E hoje, com 65 anos, eu tenho mais tranquilidade para dizer isso, constatar.

From: Holanda, K. Pegadas do cinema de Olga Futemma. Lumina, [S. l.], v. 14, n. 2, p. 171–185, 2020.
 

Olga Futemma interview

MULHERES
DA BOCA

dir.  Inês Castilho and Cida Aidar,
1982, 22min
16mm. Color.
First shown in September 1982 at the Festival de Cinema Amador JB/Mesbla in Salvador

WITH ENGLISH SUBTITLES BY RAIAN OLIVEIRA
AVEC SOUS-TITRES FRANCAIS DE ZOÉ BARNES

CON SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL DE LUCIA DE LA TORRE
CON SOTTOTITOLI IN ITALIANO DI MIRKO CERULLO
최모니카의 한국어 자막으로
日本語字幕: 
勝田あけの
TÜRKÇE ALT YAZI ÇEVİRİSİ: ÖYKÜ SOFUOGLU 

 

Filmmakers Cida Aidar and Inês Castilho met as part of the feminist collective that edited the newspaper Nós Mulheres between 1976 and 1979. Filmed during 1981 in the Boca do Lixo region of São Paulo, infamous for its porn cinemas and brothels, the documentary fiction 'Mulheres da Boca' reveals the lives of sex workers on their own terms, as they are captured between seduction, play, and violence, against the backdrop of the corruption and abuse exercised by those who ran the Boca de Lixo. 

Inês Castilho is an important name in the feminist struggle in Brazil, with a long and important history working as an activist and as part of publications such as Nós mulheres and Mulherio. In the first half of the 1980s, Inês Castilho also developed a cinematographic career, with films including ‘Mulheres da Boca’ (1982) – co-directed with Cida Aidar – and ‘Histerias’ (1983): "During the period, what motivated me fundamentally were gender, racial, and class relations which formed the basis of an extremely unequal society". She currently writes for Outras Palavras

Cida Aidar graduated in Psychology from the Pontifícia Universidade Católica of São Paulo and currently works as a psychoanalyst at the Instituto Sedes Sapientiae. 

As cineastas Cida Aidar e Inês Castilho se conheceram enquanto parte do coletivo feminista que editou o jornal Nós Mulheres, entre 1976 e 1979. Filmado durante 1981, na região da Boca do Lixo de São Paulo, infame por seus cinemas pornôs e bordéis, o documentário "Mulheres da Boca" traz à tona a vida das trabalhadoras do sexo em suas próprias palavras, pois elas são capturadas entre a sedução, jogadas e violência, no contexto da corrupção e do abuso exercido por aqueles que comandaram a Boca de Lixo. 

Inês Castilho é um nome de referência na luta feminista no Brasil. Ela tem uma longa e importante trajetória neste ativismo, incluindo trabalhos pioneiros em publicações como Nós mulheres e Mulherio. Atualmente, ela escreve para o site Outras Palavras. Na primeira metade dos anos 80, Inês Castilho também desenvolveu uma carreira cinematográfica, com filmes impactantes como 'Mulheres da Boca' (1982) - dirigido com Cida Aidar, e Histerias (1983): "No período em que o fiz, e se o faço novamente, o que me motiva é fundamentalmente as relações de gênero, raça e classe como base de uma sociedade extremamente desigual". 

Cida Aidar é formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e atualmente trabalha como psicanalista no Instituto Sedes Sapientiae.

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'Mulheres da Boca' (1982)

William Plotnick asks Inês Castilho
about her memories of Mulheres da Boca

WILLIAM PLOTNICK: Did 'Mulheres da Boca' receive any theatrical distribution? Where was the film first shown?

 

INÊS CASTILHO: I imagine you mean screening in a commercial sense. It was always shown through alternative circuits, composed of women's departments in the unions that were beginning to be formed, women's associations, film clubs, etc. At the time there was a distributor that worked with this kind of film. The film was part of the Cachoeira Film Festival in Bahia, and premiered during a prestigious screening at MASP (Museu de arte de São Paulo), which went on to host the São Paulo International Film Festival in its early days. The critic Jean-Claude Bernardet and director João Batista de Andrade were at that screening. Bernardet didn't seem to like the film much, and de Andrade, thought we’d gone too easy on the pimp in the film. 

 

We never showed the film to its protagonists, something which would be unthinkable today. The distance between us, “family women”, and the prostitutes we filmed seemed unbridgeable at the time. Sadly, I don’t think showing it to them even occurred to us.

 

WILLIAM: From what you remember, what was the reaction of the first audience that saw your film?

INÊS: The climate was one of excitement, great interest in the film, both because of the theme – prostitution – and because it was a film by women, about women. This was a great novelty.

 

WILLIAM: Was the film censored at all?

 

INÊS: By that time, it was the end of the dictatorship and it was a short film which wasn't shown on the commercial circuit – not that it deserved censorship at all. 

 

WILLIAM: Can you briefly explain what the circumstances were that led you and Cida to start making the film? How much research and location scouting did you have to do before filming?

 

INÊS: We went to the Boca do Lixo district several times with a field producer, Satan (what a name!), a Black man who was big, bald, strong and handsome, who paved the way for us to circulate among the prostitutes and pimps on the street. We frequented a few nightclubs, too, where we experienced a different kind of sex work. 

 

Cida and I met in 1975 as members of Nós Mulheres – one of the first feminist groups in São Paulo, who also brought out the newspaper of the same name – made up of young, white, middle class women, most of whom were university educated and some of whom, [at the end of the dictatorship], were coming out of exile in France. I had just arrived from New York, where I’d spent two or three years living illegally. In 1978, the Carlos Chagas Foundation's Research Group on Women, a pioneer in the field, launched a funding contest for projects focusing on women. Note that we still talked about “women”, as if there was this universal entity. It was very different from the diversity among women that we recognise today. (Black women would soon come along and teach us this lesson).

 

Cida and I decided to enter the contest with a film project, instead of academic research, and the FCC board agreed. At the time, we considered female identity to be split between the mother and the whore, so we decided to investigate the whore aspect, which fascinated us greatly. We received full support from a production company – Tatu Filmes – made up of seven producers. I lived with one member of the company, and Cida also lived with someone connected to cinema. Tatu handled the production, the sound and the photography. We hired women for editing and sound, production, and photography. The production of 'Mulheres da Boca' was different from other works of that time because our team was made up of so many women.

 

The film was a collaboration between so many special people and I want to mention our editor Vania Debs who recently passed away and whose genius helped make the film the success it is.

William Plotnick faz perguntas a Ines sobre suas memórias de Mulheres da Boca

WILLIAM PLOTNICK:  Mulheres da Boca recebeu distribuição teatral? Onde o filme foi exibido pela primeira vez quando foi terminado?

INÊS CASTILHO: Imagino que esteja querendo dizer exibição no circuito comercial. Não, foi exibido sempre num circuito alternativo, composto por deptos femininos de sindicatos, que começavam a ser criados, associações de mulheres, cineclubes. Na época havia uma distribuidora que trabalhava com esse mercado. Participou da Mostra de Cinema de Cachoeira, na Bahia, e foi lançado numa sessão badalada no MASP, que abrigava então a Mostra Internacional de Cinema em seus primórdios. Na sessão estavam o crítico Jean-Claude Bernardet, que não demonstrou ter gostado muito do filme, e o diretor João Batista de Andrade, que considerou que fomos muito simpáticas ao cafetão.

Nunca levamos o filme às protagonistas, uma coisa hoje impensável. A distância entre nós, mulheres de família, e as prostitutas, era intransponível. Acho que nem nos ocorreu, lamentavelmente.

 

WILLIAM: Pelo que você se lembra, qual foi a reação das audiência que viram seu filme pela primeira vez?

 

INÊS: Acima já respondi um pouco. O clima era de excitação, grande interesse pelo filme, tanto pelo tema, a prostituição, e por ser um filmes de mulheres, sobre mulheres. Essa era a grande novidade.

 

WILLIAM: As Mulheres da Boca receberam alguma censura?


INÊS: O Mulheres não, já era o fim da ditadura, por ser um curta e não ser exibido no circuito comercial também nem merecia. Ainda tenho o certificado de censura, acho que de 16 anos.


WILLIAMVocê pode explicar brevemente quais foram as circunstâncias que levaram você e Cida a começar a fazer este filme? Quanta pesquisa e localização você teve que fazer antes de filmar?

 

INÊS: Fomos várias vezes às bocas do lixo e do luxo com um produtor de campo, o Satã, veja o nome, um homem negro, careca, grande e forte, bonito,que nos abriu o caminho entre prostitutas e cafetões de rua. Frequentamos um poucos as boates, também, uma prostituição diferente.

Cida e eu nos conhecemos em 1975 no Nós Mulheres, um dos primeiros grupos feministas de São Paulo, que editou o jornal Nós Mulheres, formado por mulheres jovens, brancas e de classe média, de formação universitária na maioria, algumas vindas do exílio na França. Eu chegava de Nova Iorque, onde passei ilegal por dois ou tres anos. Em 1978, o Grupo de Pesquisa sobre a Mulher da Fundação Carlos Chagas, pioneiro na área, lança um concurso de pesquisas sobre a mulher. Note que ainda falávamos da  MULHER, como se houvesse essa entidade universal, e não a diversidade que reconhecemos hoje. (As mulheres negras logo vieram nos dar uma lição sobre isso.)

Cida e eu inventamos de participar do concurso com um projeto de filme, ao invés de pesquisa acadêmica, e as pesquisadoras da FCC toparam. Como na época pensávamos uma identidade feminina cindida entre a puta e a santa mãe, decidimos investigar o lado da puta, que exercia sobre nós um grande fascínio. Recebemos todo apoio de uma produtora de 7 cineastas, a Tatu Filmes - eu vivia com um deles, e Cida com alguém também ligado a cinema - e eles seguraram a produção, o som, a fotografia. Chamamos mulheres para a montagem e a assistência de som, produção, fotografia. Isso diferenciou o Mulheres da Boca, uma equipe composta por tantas mulheres.

O filme traz a contribuição de muita gente, e a genialidade da montadora, Vania Debs, recentemente falecida, que o transformou no sucesso que é.

Interview Inês Castilho
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Review of Mulheres da boca published in the
journal Mulheria, 1982, by Maria Rita Kehl

For a film that intends to deal with prostitution, the opening scenes are surprising. The camera moves between groups of different women without trying to highlight anything that might mark the difference between them and the spectator (except, of course, the undisguisable poverty – which is not of course a condition exclusive to prostitutes). And without trying to highlight anything that might reproduce the phallic, fatal, seductive whores of the male imaginary – see, for example, the character of Tânia Alves in José Antônio Garcia and Ícaro Martins’ O Olho Mágico do Amor (1981), a dishonest representation of the prostitute: a myth, a phantom, that haunts our already complex sexual identities. And it’s not a bolerão sang in the style of Maria Bethânia (... "if my past was mud...") that plays over the precious images of 'Mulheres da Boca', but the tender voice of Yoko Ono singing 'It Happened'.

        

And this is the tone the film adopts as journalist Inês Castilho and psychologist Cida Aidar and the other women and men in the crew of 'Mulheres da Boca' get close to the daily life of prostitutes in downtown São Paulo. Without using the alibi of scientific distance (the film does not present itself as "research"), the filmmakers approach the affective universe, the interior lives of several women, not from the perspective of difference but identification. It is not that the filmmakers want to convey their lack of prejudice by humiliating the oppressed with a patronising, judgmental gaze. What the filmmakers have done is to capture, in these women of the “Boca”, what moved them the most: their want, their fragility.

 

Chico Botelho's camera lovingly dwells on a shy woman's face, taking its time to reveal to us the ambiguity of her expression, before moving down to her hardened arms which nonetheless express almost infant-like affection. In another scene – the only "sex scene" of the film – a prostitute re-enacts a typical fight she had with her pimp, over money she hid in order to better provide for her son. But the "actress" is too good in the role, she is playing herself and her hatred is real when the man throws her down on the bed and she kicks him with both legs screaming, "Get out". The bedroom scene is not erotic but it's not exotic either, it's not in the vain of the “dog-eat-dog world” genre (Marila Pera in 'Pixote', another man-made whore, disgustedly shoving a fetus in the bathroom’s trash can). And it is moving, too: in this scene a woman is crying out against her complete lack of protection, against the total absence of guarantees in her life.

 

There is not a single "sex scene" in 'Mulheres da Boca', a film that refuses to explore the sexuality of prostitutes. With the exception of the beautiful striptease at the Concorde nightclub – a performed eroticism, theatricalised according to all the requirements of what is considered sensual – the film is almost never erotic. The women look at each other, play with each other, embrace each other; together they supply a little of what they lack (unlike Jorge Amado's mythical whore who is solitary, self-sufficient). Apart from these little caresses between women, there is no relief for our perverse imagination that wants to look at prostitution as the place of feminine sensuality. From the point of view of the prostitutes in 'Mulheres da Boca', sex is a tired business. A matter of survival. From their point of view, eroticism is a male fantasy.

Crítica de filme 'Mulheres da boca' publicada na jornal Mulheria, 1982, por Maria Rita Kehl

Para um filme que pretende abordar a prostitução, as primeiras cenas supreendem. A camera passeia entre mulheres em grupo, sem procurer destacar nada que marque a diferença entre elas e nós, espectactadoras (a não ser, é claro, a indisfarçável pobreza – que entrentato não é característica exclusiva das prostitutas). Nada que identifique as putas-fatais-fálicas-sedutoras (felizes?) do imaginário masculine – vide o personagem de Tânia Alves em “O Olho Mágico do Amor”, encarnação sacana da prostitute realizada, mito -, fantasma que ilude e assombra nossa já tão difícil identidade sexual. Também não é um bolerão estilo Bethânia (… “se meu passado foi lama… “) que marca as preimerias imagens de Mulheres da Boca, mas a voz frâgil de Yoko Ono cantando “It Happened”

 E nesse tom que segue o filme. Inês Castilho (jornalista), CIda Aidar (psicóloga) e aas outras mulheres e homens da equipe de Mulheres da Boca aproximam-se do cotidiano da prostitução no centro de São Paulo. Sem buscar o álibi do distanciamento científico – o filme não se apresenta como “pesquisa” -, aproxima-se do universe afetivo, da intimidade de várias mulheres, não a partir da diferença mas a partir da identificação.

 

Não se trata de uma afirmação, por parte das cineastas, de sua ausência de preconceitos; alias, fazer apologia de nosso “espirito despreconceituoso” e humilhar a vítirma com um olhar paternalista e critsão. O que as cineastas fizeram foi captar, nessas “Mulheres da boca”, aquilo que mais as sensibilizou: justamente a caréncia. Justamente a fragilidade.

A camera de Chico Botelho descreve carinhosamente um rosto inibido de mulher. Demora nos revelando a ambigüidade desse rosto: braços undurecidos/entristecidos expressam uma afetividade quase infantile. Noutra cena, a ünica “cena de cama” do filme, uma prostituta representa uma briga com seu cafetão. Motivo “classico”: o dinheiro que ela escondeu. Para o filho. Mas a “atriz” está bem demais no papel, representa a si mesma e seu ódio é real quando o homem a jog ana cama e ela chuta com as duas pernas para cima gritando “sai sai”. Não é erotica a cena do quarto mas também não é exotica, não faz o gênero mundo cão (Marila Pera em ‘Pixote’, outra puta criada por um homem, mostrando enojada o feto na lixeira do banheiro). E comovente: uma mulher esperneia e grita contra sua completa desproteção, contra a ausência total de garantias da sua vida.

Não é erotica a ùnica “cena de cama” de Mulheres da Boca, filme que se recusa a explorer a sexualidade das prostitutas. Com exceção do belíssimo strip-tease na boate Concorde – erotismo produzido, teatralizado Segundo todos os requistos do que supomos ser a sensualidade -, o filme no mais éterno. As mulheres entre elas se olham, brincam, se abraçam; suprem juntas um pouco do que lhes falta (ao contrário mais uma vez da puta-mítica de Jorge Amado, solitária, auto-suficiente). A parte esses pequenos carinhos entre mulheres, não há refresco para nossa imaginação perversa que deseja fazer da prositução o lugar da sensualidade feminine liberada. Do ponto de vista das prostitutas de As Mulheres da Boca, o sexo é negócio desengergizado. Questão de sobrevivênciua… Do ponto de vista da puta, o erotismo é uma fantasia para homens.

Review of 'Mulheres da boca'

SULANCA

dir.  Katia Mesel,
1986, 14min
35mm. Color.
First shown at the “Cine Ritz” in Pernambuco 

WITH ENGLISH SUBTITLES BY RAIAN OLIVEIRA
AVEC SOUS-TITRES FRANCAIS DE ZOÉ BARNES

CON SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL DE LUCIA DE LA TORRE
CON SOTTOTITOLI IN ITALIANO DI MIRKO CERULLO
최모니카의 한국어 자막으로
日本語字幕: 町田萌
TÜRKÇE ALT YAZI ÇEVİRİSİ: ÖYKÜ SOFUOGLU 

The Feira da Sulanca still exists as a famous market in Pernambuco, northeastern Brazil, that sells and exports items for the national clothing industry. While these markets were once an unfriendly place for women,  who were struggling to make a living, Katia Mesel’s ‘Sulanca’ documents the economic revolution of the women of Santa Cruz do Capibaribe: seamstresses who, through collaboration and willpower, managed to make lives for themselves and change the socioeconomic landscape of Brazil’s most neglected region. 


Katia Mesel (b. 1948) studied Architecture and Graphic Arts at the Federal University of Pernambuco. She started using Super-8 still in the beginning of her degree, and soon began her career as a director, making around 20 documentaries between the seventies and eighties. In 1980, she opened Arrecife Produções Cinematográficas, a professional film, video, and commercial production company. With a career spanning 50 years, Katia Mesel has made over 300 shorts and one feature.

A Feira da Sulanca continua a existir em Pernambuco, nordeste do Brasil, como um mercado famoso, que vende e exporta artigos para a indústria têxtil nacional. Embora estes mercados já tenham sido um lugar hostil para mulheres, que lutavam para ganhar a vida, a 'Sulanca' de Katia Mesel documenta a revolução econômica das mulheres de Santa Cruz do Capibaribe: costureiras que, através da colaboração e da determinação, conseguiram construir vidas para si mesmas e mudar o cenário socioeconômico da região mais negligenciada do Brasil. 

Katia Mesel (n. 1948) estudou arquitetura e artes gráficas na Universidade Federal de Pernambuco. Ela começou a utilizar uma Super-8 ainda no início de sua graduação, e logo começou sua carreira como diretora, fazendo cerca de 20 documentários entre os anos setenta e oitenta. Em 1980, ela abriu a Arrecife Produções Cinematográficas, uma produtora profissional de cinema, vídeo e produção comercial. Com uma carreira de 50 anos, Katia Mesel já realizou mais de 300 curtas e um longa.

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'Sulanca' (1986)
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Interview Katia Mesel

Interview with Katia Mesel

KATIA MESELmade her first film five decades ago, in 1972, and has since directed over 300 shorts and one feature. MESEL’s home state of Pernambuco in north-east Brazil, the country’s most deprived region, provides the setting for the vast the majority of her films, whether the focus be on the region’s traditions, stories or characters. Despite its distance from Rio and São Paulo, to which funding was directed almost exclusively until the early noughties, Pernambuco established itself as an important centre for production as early as the first decades of the country’s film industry, and from the nineties on its influence ceased to be only local.[1] However, for the majority of her career, MESEL has been one of the region’s only women filmmakers.

Carried out via email following a video call, this interview further contextualises the growth of the region’s cinema, the state and (lack of) conservation of MESEL’s films, focusing in particular on ‘Sulanca’ (1986).      

  

*

KARLA HOLANDA: You’ve been making work for five decades but much of it is still hard to see. We know that audiovisual preservation demands special care and, often, restoration so I'd like to start our talk by asking where your films are stored and what condition the majority of them are in.


KATIA MESEL: All of my films are in a deplorable condition. The ones that haven’t melted are covered in mould, faded, or fading. It’s as if a child of mine is dying every day, or a wagonful of them! Hundreds of films for which I gave my sweat and blood. It’s the treason of media! Everything was and is designed to be finite. When we worked with film, we had to telecine it and transfer it to a tape, which could be Betacam, U-matic, etc. Now it’s hard to find traditional players for analogue devices so the tape has to be digitised into HD and then this crashes and malfunctions. Now we store things in the Cloud and we trust the Cloud. I don’t know what’s going to happen with this overload of information. But it’s becoming more and more imponderable. Current media is perishable too. Most of my work is at my production company, ARRECIFE; a lot of it is at the Cinemateca Pernambucana; some at the Cinemateca Brasileira and CTAv (Centro Técnico Audiovisual); and some are still being searched for at the Cinemateca do MAM (Museu de Art Moderna in Rio), at Embrafilme or CTAv.[2]

I can’t send my work to the archive at the Cinemateca Pernambucana – it’s so damaged, they won’t accept it. The films have to be restored while it’s still possible. I’ve applied for many grants to restore my films in Pernambuco and nationally, but haven’t been selected for any. I tried to return the U-matic tapes to TV Pernambuco, which has the rights to them and an archive, but it wasn’t possible. My 35mm prints with sound tapes are with me, but in very poor condition. The Super-8s are gone; the U-matics – over 200 of them – are mouldy; the Mini-DVs are useless, there are no players for the VHS tapes and it’s the same for the DVDs, which are also damaged. I have close to 50 films and everything I shot for the television station, TV Pernambuco, is on Mini-DV. There’s nothing left to do but cry!    

KARLA: ‘Sulanca’ (1986), a film that documents the economic revolution propelled by women sewers of Santa Cruz do Capibaribe, was financed by Embrafilme, the state-owned company which provided funding nationally and was the main backer of films in Brazil between 1969 and 1990. Did their support happen via grants? Was it common in the 1980s for states other than Rio de Janeiro and São Paulo to apply for national grants?

KATIA: Back then there weren’t many national grants and even fewer state grants; all Embrafilme grants only selected projects from Rio de Janeiro and São Paulo. So we organised and, in 1984, we called on a meeting of the ABD (Brazilian Association of Documentarians) demanding that Embrafilme’s budget for grants be better distributed. This is what we proposed: a third of funding for Rio, a third for São Paulo, and a third for projects selected from the rest of the country. And we did it!

Soon after we were told that an Embrafilme grant was open for short films. In the 1970s and 1980s, we were informed about these grants via newspapers. I decided to apply for the 35mm films grant with ‘Oh de Casa’ (1985), a film about tropical architecture adapted from Gilberto Freyre’s book of the same name. The project was selected and I managed to make the film.

After that I made ‘Sulanca’, 40-minute film shot in 35mm. But medium length films weren’t screened anywhere at that time.[3] They weren’t shown on TV, they weren’t accepted by the market. Even film festivals only showed features and shorts. I ended up splitting ‘Sulanca’ into three parts so it would be easier to get into festivals.

One of the things that drew attention to Pernambucan cinema was a growing interest in the region’s shorts that were appearing in national film festivals. People would spread the word about a Pernambucan film being shown; I would hear them say: “We can’t miss that screening!” It was testament to a curiosity about our cinema, since the fact of it travelling outside of the region was new. Paulo Caldas and Lírio Ferreira’s Baile Perfumado (Perfumed Ball, 1996) can be considered a landmark in Pernambucan productions. It showed the strength of our cinema and had the support of local and national grants, famous actors, and competent distribution.[4]

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KARLA: O Rochedo e a Estrela (‘The Rock and the Star’, 2011) was your first and only feature film and, as far as we can tell, the first feature directed by a woman in Pernambuco. The second feature, Love, Plastic and Noise (Renata Pinheiro, 2013) was, as far as we can tell, the first narrative feature directed by a woman in Pernambuco. Obviously this isn’t a localised problem but considering the state’s strong film history, how might you explain such a small and belated presence of women across all forms?

KATIA: A key point is that in the nineties, the young men in the region who had experience as directors (Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Nelson Caldas, Hilton Lacerda, Marcelo Gomes, etc.), all left to go to Rio or São Paulo, but not the women. The men met actors, technicians, professionals, producers, distributors, in the Southeast Region, and it all became easier for them. The women directors stayed here, they resisted. Their presence in Pernambucan film comes into its own at the turn of the century. Little by little, women began making short films. We were working without good equipment – we had to rent cameras in Rio or São Paulo, and wait to borrow CTAv equipment but, of course, women were always at the end of the line and sometimes we had to wait three or four months. My crews were all-male for a long time as there were no female film technicians or professionals in the state. Then other possibilities came along, a female cinematographer, a female camera operator, female editors – my crews grew more equal in terms of gender.

Women directors are very prominent in short films across Brazil today, due to access to tech which requires less specialist training, and to the fact that culture incentive laws now prioritise “minority” groups and those from other regions of the state.[5]

KARLA: What informs the running time of your films?

KATIA: As you mentioned, among my 300 films, I made one feature film and I don’t want to make another one. I like being a short filmmaker. I think I can express myself very well in that form. I’ve mastered the rhythm. I can make a three minute short if I choose to, or one that is five minute or 15 minutes. The right duration is the one the subject demands. As I said, some of my documentaries, such as ‘Sulanca’, had to be shortened to the running time accepted by most festivals, 15 minutes. ‘O Mago das Artes – Lula Côrtes’ is 23-minutes long and was eligible for fewer festivals, even though the official duration of a short film is up to 25 minutes.

I also think that today you have to take into account the fact that fewer people have enough patience to watch longer stuff. In front of a big screen, or at a festival, people will be willing to watch any film regardless of its running time, but outside of these spaces people have very little time and there are small screens everywhere to distract them. So you have to tell your story fluidly and in a way that grabs people's attention.

 

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KARLA: The story behind ‘Sulanca’ is admirable: almost an entire town is involved in sewing, which results in the incredible economic development of the region and in the economic emancipation of women, who take the lead role in the local economy. Would you say you saw yourself in the story of those women? Where did the idea to make the film come from?

KATIA: I’ve never thought about any direct connection. I suppose I too was economically emancipated and took to filmmaking spontaneously. I am self-taught, and filming in 35mm was the beginning of my technical education. I organised, got to know other filmmakers, and started sending my films to festivals. Sometimes I got a “yes”, sometimes a “no”, sometimes a “maybe”, which is even worse. I created my space freely, without comparing myself to anyone or really thinking about gender issues. I think the women of Santa Cruz do Capibaribe started without comparing themselves to men. They just did it because it was what they knew how to do, and they had to earn money to keep their homes and raise their children. When I look at it this way, I think there is a parallel between them and myself.

I’ve also always admired Pernambucan culture and themes relating to social change and growth through hard work have always been interesting to me. In 1983, I heard about the work of the women from Santa Cruz do Capibaribe through the patchwork quilts they sold at the fairs. They were hand-sewn with very small pieces of cloth, and I was immediately drawn to them; they were elaborate with cut-outs, geometric figures, compositions with colour, texture, and so on. I went to Santa Cruz do Capibaribe and stayed there for three days in order to talk to the women who did such incredible work, have a look at the fair, and buy my sulanca quilts.

Their movement had begun quite spontaneously. It wasn’t incentivised by an NGO or an outside company; it was their movement. They felt the need to look for an alternative to the local economy which was very poor, based only on coal mining, chickens and tannery. Their movement spread across the region, to Toritama, Caruaru, Pão de Açúcar. I found it very interesting, especially because they were all women, working on all the different stages of production and commercialisation, and at the same time providing for their families. That’s how the project came about.

KARLA: A central issue in documentaries is how to approach those we call its “characters”. Do you have a method for approaching “the other”? Are there principles that guide you in that process? How did you get close to the characters of ‘Sulanca’?

KATIA: When I returned to Santa Cruz, I lived in the town for 15 days. I met councilmen, mayor, teachers, prostitutes, truck drivers, charcoal workers, hunters, shoemakers, and the businessman who made swimming trunks. For me the normal life of the countryside town was an incredible source of information: the food, the parties, the fair, the tanneries; the professions related to the sulanca – sewing buttons, the finishing process, the packaging. In order to get closer to my “characters”, I gradually became part of their lives. I’d have lunch at their house, I’d buy quilts from them, I’d attend their parties, all the while following the beginning of this great emerging economic movement. I talked to women entrepreneurs in order to understand what had made this revolution possible. In fact, it had all begun with a bank branch manager who, sensing the possible entrepreneurial vocation of those women, decided to open a credit portfolio for them to buy sewing machines.

I don’t feel like I have a method, but a way of being. It’s about empathy, feeling, consideration. I watched everything happening, I lived with all kinds of people, and came up with ways to portray them, to value them.

KARLA: You often employ elements of fiction in your documentaries, as we see in ‘Sulanca’. For you, is there anything that is specific to documentary filmmaking, something unique to documentaries? What is the difference between the conception of a documentary and a narrative film?

KATIA: I really like hybridity, which of course has permeated documentaries since the dawn of cinema. Flaherty’s Nanook of the North and Vertov's films were not bound by any formal limits. What I do arises as a response to the issues I’m portraying. Fictionalised elements do not antagonise the real; on the contrary, they corroborate the facts portrayed.

KARLA: There is a lot of staging in ‘Sulanca’ and certain meanings are reinforced in the edit. For instance, sometimes you see an image of an inert man sitting in a rocking chair, and next to him his wife actively working at the sewing machine – without uttering a word, you say an awful lot with that image. In another scene, a seamstress uses her machine outside, in the yard outside her house. Can you tell us how these scenes were constructed?

KATIA: The scene with the old man in the chair was real. I went there several times and she was working on that sewing machine, smoking her pipe… I just worked on the framing. The house was very narrow and they were very close. I created the scene of the seamstress when I realised how intimate the woman was with that environment: it was her yard, where she laid out her clothes, separated beans while sitting on stones, and she took her baths with a gourd. And the light was much more beautiful outside. Initially it was going to be an indoor scene.

The forró and the square dance, the bacamarteiros [blunderbuss shooters who would fire dry powder shots into the air during celebrations], were all real – I took advantage of the São João party that was going on. I asked people for authorisation and paid some of them a fee, as well as buying them beer and food to get them in the mood. I did the same thing at the brothel. I went there beforehand, talked to them, explained that I would just be filming them dancing, that if someone didn't want to be filmed, they could just go to the other side. I gave the girls some money, a round of drinks, and everything was fine. It was very non-invasive. I asked them to act naturally, to forget we were there. Suddenly we started mingling, even crew members were dancing, and the girls forgot they were being filmed.

I also did the art direction for the film: I chose the rag doll motif, and I bought the dolls at the fair. I was present at all stages of the film, including the editing. I really like to build up the scenery, using the elements that are already there. Surprises always please me: unexpected things, sudden solutions, unforeseen events. The three women passing by with things on their heads simply walked into the frame. I just changed what they were carrying so it was more symbolic and metaphorical.

KARLA: In documentary, perhaps more than in fiction, the work with the cinematographer must involve a great deal of trust, since the scenes take place only at the moment of shooting, may involve unforeseen circumstances and you only have one chance. In ‘Sulanca’, as in other works of yours, the cinematographer is Sany Lafon Padua, who was also your spouse. Can you tell us how you approached the cinematography in ‘Sulanca’?

KATIA: Back then, Sany would accompany me during the research and pre-production of the films. Everything was agreed upon and discussed in advance, because he was incredibly knowledgeable when it came to 35mm film. He worked with the best cinematographers in Rio de Janeiro and São Paulo, he understood everything about laboratories, lenses, lighting, studios, infinity backgrounds, technical aspects, reports, accountability, schedule, agenda. The cinematography for ‘Sulanca’ was designed to be as naturalistic as possible. The light of the sertão is beautiful and Sany knew the photometre by heart. We were extra careful to choose the right lenses for the lighting. In the internal shots, we had to set up the camera without disturbing whatever our “characters” were doing. Sometimes we needed to change the lighting, sometimes we had to correct it with reflectors, sometimes we had to remove tiles from a part of the roof. In short, when we arrived to shoot, we already knew where to position the camera, and whether the electric grid could hold the energy load.

I wanted a shot that showed the breadth of the fair, and at that time the tallest building in Santa Cruz do Capibaribe had three floors, and you can imagine that borrowing a 30-metre Magirus ladder from the Electric Company of Pernambuco was not something that could be done on the spot. Everything was planned to a millimetre in ‘Sulanca’, except for the surprises. But we were prepared for them. A 35mm shoot can't be experimental: there are too many technicians involved, too much equipment, the film is very expensive and it takes time to see it developed. Of course, there are also decisions that need to be made on the spot: if the weather was suddenly cloudy, or if our equipment was too much for the energy structure, then we would have to change our plans. If the sunset looks stunning, you have to drop whatever you are doing and shoot it. But ‘Sulanca’ was not cinéma vérité.

KARLA: What is the best way for people to access your work? Where can they watch your films?

Katia: Part of my work which I managed to digitise is available on my YouTube channel, and on the Cinemateca Pernambucana website.

 

[1] Today, Pernambuco is where some of the most recognised Brazilian filmmakers are from (Kleber Mendonça Filho, Karim Aïnouz, Hilton Lacerda). It is also home to the film festival Janela Internacional de Cinema do Recife. For more info on Pernambucan cinema: https://cinematecapernambucana.com.br/

 

[2] CTAv is a film post production studio and archive funded by the government in Rio de Janeiro: https://www.facebook.com/ctavsav/

 

[3] In Brazil, “médias”, or medium-length films, are loosely defined as films with a running time between 25 and 60 minutes.

[4] The only Pernambucan actors in the film are Aramis Trindade and Germano Haiut, though they weren’t well known at the time.

There were some notable actors from other northeastern states working at the time, including Luiz Carlos Vasconcelos (from Paraíba), Jofre Soares (from Alagoas), Giovanna Gold (from Bahia).

[5] There are a number of cultural incentive laws in Brazil, such as the Rouanet Law, by which a panel of experts judge a project’s social and cultural relevance, and determine where it’s approved to be financed through tax deduction.

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Entrevista com a Katia Mesel

KATIA MESEL fez seu primeiro filme há cinco décadas, em 1972, e desde então dirigiu mais de 300 curtas e um longa-metragem. O estado natal de MESEL, Pernambuco, no nordeste do Brasil, uma das regiões mais carentes do país, fornece o cenário para a grande maioria de seus filmes, seja o foco nas tradições, histórias ou personagens da região. Apesar de sua distância do Rio e de São Paulo, para onde o financiamento era dirigido quase exclusivamente até o início dos anos 90, Pernambuco se estabeleceu como um importante centro de produção já nas primeiras décadas da indústria cinematográfica do país, e a partir dos anos 90 sua influência deixou de ser apenas local. Entretanto, durante a maior parte de sua carreira, MESEL foi uma das únicas mulheres cineastas da região.

Realizada via e-mail após uma vídeo-chamada, esta entrevista contextualiza ainda mais o crescimento do cinema da região, o estado e (a falta de) conservação dos filmes de MESEL, e se concentra em Sulanca (1986).  

*

KARLA HOLANDA: Você é diretora há cinco décadas, mas muito do seu trabalho ainda é de difícil acesso. Sabemos que a preservação audiovisual exige cuidados especiais e, muitas vezes, restauração, por isso gostaria de começar nossa conversa perguntando onde seus filmes estão armazenados e em que condição a maioria deles está.

 

KATIA MESEL: O estado é deplorável. Os que não derreteram estão cobertos de mofo, desbotados, ou desbotando. É como se um filho meu estivesse morrendo todos os dias, ou um trem cheio deles! Centenas de filmes pelos quais eu dei meu sangue e meu suor. É a traição da mídia! Tudo é cada vez mais imediato, criado já com finitude. Quando trabalhávamos com película, tínhamos que teleciná-lo e transferi-lo para uma fita, que poderia ser Betacam, U-matic, etc. Agora é difícil encontrar players tradicionais para dispositivos analógicos, então a fita tem que ser digitalizada em HD. Depois o HD queima, não responde. Agora armazenamos as coisas na Nuvem e confiamos na Nuvem. Eu não sei o que vai acontecer com esta sobrecarga de informações. Mas está se tornando cada vez mais imponderável. A mídia atual também é perecível. A maior parte do meu trabalho está na minha produtora, ARRECIFE; muito dele está na Cinemateca Pernambucana; alguns na Cinemateca Brasileira e no CTAv (Centro Técnico Audiovisual); e alguns ainda estão sendo procurados na Cinemateca do MAM (Museu de Arte Moderna do Rio), na Embrafilme ou no CTAv.

Não posso enviar meu trabalho para o arquivo da Cinemateca Pernambucana – ele está tão danificado que eles não o aceitam. Os filmes têm que ser restaurados enquanto ainda é possível. Já coloquei projetos para restaurar meus filmes em editais em Pernambuco e no Brasil, mas ainda não fui selecionada para nenhum. Tentei devolver as fitas U-matic à TV Pernambuco, que tem os direitos sobre elas e um arquivo, mas não foi possível. Minhas impressões de 35mm com fitas de som estão comigo, mas em muito mau estado. As Super-8s desapareceram; as U-matics – mais de 200 delas – estão mofadas; as Mini-DVs são inúteis, não há players para as fitas VHS e o mesmo acontece com os DVDs, que também estão danificados. Tenho cerca de 50 filmes e tudo o que filmei para a emissora de televisão, TV Pernambuco, está em Mini-DV. É sentar e chorar!    

KARLA: Sulanca (1986), filme que documenta a revolução econômica impulsionada pelas costureiras de Santa Cruz do Capibaribe, foi financiado pela Embrafilme, a empresa estatal que forneceu financiamento nacional e foi a principal financiadora de filmes no Brasil entre 1969 e 1990. O apoio deles aconteceu através de edital? Era comum, nos anos 80, que outros estados além do Rio de Janeiro e São Paulo participassem de editais  nacionais?

KATIA: Naquela época não havia muitos editais nacionais e ainda menos editais estaduais; a Embrafilme aprovava apenas projetos selecionados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Assim, nos mobilizamos e, em 1984, convocamos uma reunião da ABD (Associação Brasileira de Documentaristas) reivindicando que o orçamento da Embrafilme para subsídios fosse melhor distribuído. Foi isto que propusemos: um terço do financiamento para o Rio, um terço para São Paulo e um terço para projetos selecionados do resto do país. Conseguimos!

Logo depois, nos disseram que um edital da Embrafilme estava aberto para curtas-metragens. Nos anos 70 e 80, éramos informados sobre esses editais através dos jornais. Decidi entrar com um projeto para filmes 35mm com Oh de Casa (1985), um filme sobre arquitetura tropical adaptado do livro de mesmo nome de Gilberto Freyre. O projeto foi selecionado e eu consegui fazer o filme.

Depois disso, fiz Sulanca, filme de 40 minutos rodado em 35mm. Mas os filmes de média duração não eram exibidos em nenhum lugar naquela época. Eles não eram exibidos na TV, não eram aceitos pelo mercado. Mesmo os festivais de cinema só exibiam longas e curtas-metragens. Acabei dividindo 'Sulanca' em três partes para que fosse mais fácil entrar em festivais.

Uma das coisas que chamava a atenção para o cinema pernambucano era o crescente interesse pelos curtas-metragens da região que apareciam nos festivais nacionais. Escutei em muitos festivais as pessoas divulgando a exibição de filmes pernambucanos: “Não podemos perder essa sessão!” Era a prova de uma curiosidade sobre nosso cinema, pois o fato de ele viajar para fora da região era novidade. Baile Perfumado (1996) de Paulo Caldas e Lírio Ferreira pode ser considerado um marco nas produções pernambucanas. Ele mostrou a força de nosso cinema e contou com o apoio de editais locais e nacionais, atores famosos e distribuição competente.

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KARLA: O Rochedo e a Estrela (2011) foi seu primeiro e único longa-metragem e, até onde sabemos, o primeiro longa dirigido por uma mulher em Pernambuco. O segundo longa, Amor, Plástico e Barulho (Renata Pinheiro, 2013) foi o primeiro longa de ficção dirigido por uma mulher em Pernambuco. Obviamente, este não é um problema localizado, mas considerando a forte história cinematográfica do estado, como você poderia explicar uma presença tão pequena e tardia de mulheres em todas as formas?

KATIA: Um ponto chave é que nos anos noventa, os jovens da região que tinham experiência como diretores (Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Nelson Caldas, Hilton Lacerda, Marcelo Gomes, etc.), todos partiram para o Rio ou São Paulo, mas não as mulheres. Os homens fizeram contato com atores, técnicos, profissionais, produtores, distribuidores, na Região Sudeste, e tudo se tornou mais fácil para eles. As mulheres diretoras não arribaram nessa época. Ficaram, resistiram. A presença delas no cinema pernambucano se consolida na virada do milênio. Pouco a pouco, as mulheres começaram a fazer curtas-metragens. Estávamos trabalhando sem bons equipamentos – tínhamos que alugar câmeras no Rio ou em São Paulo, e esperar para pedir emprestado equipamento CTAv mas, é claro, as mulheres estavam sempre no rabo da fila e às vezes tínhamos que esperar três ou quatro meses. Minhas equipes por um bom tempo eram só de homens, pois não havia técnicas ou profissionais do cinema mulheres no estado. Então surgiram outras possibilidades, uma cineasta, uma operadora de câmera, editoras – minhas equipes foram ficando mais bem divididas em termos de gênero.

As diretoras hoje são muito proeminentes nos curtas-metragens em todo o Brasil, devido ao acesso à tecnologia que requer menos treinamento especializado, e ao fato de que as leis de incentivo à cultura agora priorizam grupos "minoritários" e aqueles de outras regiões do estado.

KARLA: O que determina o tempo de duração de seus filmes?

KATIA: Como você mencionou, entre meus 300 filmes, eu fiz um longa-metragem e não quero fazer outro. Gosto de ser cineasta de curtas-metragens. Acho que posso me expressar muito bem nessa forma. Dominei o ritmo. Posso fazer um curta-metragem de três minutos se quiser, ou um de cinco minutos ou quinze minutos. A duração certa é a que o sujeito exige. Como disse, alguns de meus documentários, como Sulanca, tiveram que ser encurtados para o tempo de duração aceito pela maioria dos festivais, quinza minutos. O Mago das Artes - Lula Côrtes tem vinte e três minutos de duração e era elegível para menos festivais, mesmo que a duração oficial de um curta-metragem seja de até vinte e cinco minutos.

Também acho que hoje é preciso levar em conta o fato de que menos pessoas têm paciência suficiente para assistir a coisas mais longas. Em frente a uma tela grande, ou em um festival, as pessoas estarão dispostas a assistir qualquer filme independentemente de seu tempo de duração, mas fora desses espaços as pessoas têm muito pouco tempo e há telas pequenas em todos os lugares para distraí-los. Portanto, você tem que contar sua história com fluidez e de uma forma que prenda a atenção das pessoas.

KARLA: A história por trás de Sulanca é admirável: quase uma cidade inteira está envolvida na costura, o que resulta no incrível desenvolvimento econômico da região e na emancipação econômica das mulheres, que assumem o papel principal na economia local. Você diria que você se viu na história dessas mulheres? De onde surgiu a ideia de fazer o filme?

KATIA: Nunca tinha pensado por esse aspecto, mas na realidade eu acho que sim. Eu também me emancipei economicamente e fui levada ao cinema espontaneamente. Sou autodidata, e filmar em 35mm foi o começo da minha formação técnica. Organizei, conheci outros cineastas, e comecei a enviar meus filmes para festivais. Às vezes recebi um "sim", às vezes um "não", às vezes um "talvez", o que é ainda pior. Criei meu espaço livremente, sem me comparar a ninguém ou pensar realmente em questões de gênero. Acho que as mulheres de Santa Cruz do Capibaribe também começaram sem se comparar aos homens. Elas começaram porque era o que sabiam fazer e tinham que trazer dinheiro pra dentro de casa e criar seus filhos. Pensando assim, eu acho que tem um paralelo entre nós.

Também sempre admirei a cultura pernambucana e os temas relacionados à mudança social e ao crescimento através do trabalho sempre me interessaram muito. Em 1983, ouvi falar do trabalho das mulheres de Santa Cruz do Capibaribe através das colchas de retalhos que elas vendiam nas feiras. Elas eram costuradas à mão com restos de retalhos muito pequenos, e fiquei logo interessada, porque não era só emendar pedacinhos, elas faziam recortes, figuras geométricas, criações com composições de cor, de textura, coisas mais rebuscadas para a linguagem popular. Fui a Santa Cruz do Capibaribe e fiquei lá por três dias para conversar com as comadres que faziam esse trabalho incrível, dar uma olhada na feira e comprar minhas sulancas.

O movimento delas tinha começado de forma bastante espontânea. Não foi incentivado por uma ONG ou por uma empresa de fora; foi um movimento delas. Elas sentiram a necessidade de procurar uma alternativa à economia local que era muito pobre, baseada apenas na mineração de carvão, galinhas e curtumes. Foi uma atitude muito importante e única, encabeçada por mulheres que foi se espalhando na região, Toritama, Caruaru, Pão de Açúcar. Achei muito interessante, especialmente porque todas elas eram mulheres, trabalhando em todas as diferentes etapas de produção e comercialização e, ao mesmo tempo, cuidando de suas famílias. Foi assim que nasceu o projeto.

KARLA: Uma das questões centrais num documentário é a forma de abordagem daqueles que chamamos de “personagens” nos filmes. Você tem um método para se aproximar desse “outro/outra”? Ou tem alguns princípios que lhe orientam nesse contato? Como você se aproximou das “personagens” de Sulanca, como conheceu suas histórias?

KATIA: Quando voltei para Santa Cruz, vivi na cidade durante quinza dias. Conheci o vereador, o prefeito, professoras, prostitutas, caminhoneira, carvoeiros, caçadora, lambe-solas, o empresário que tinha uma produção de calção. Para mim, isso era uma fonte de informação incrível. A vida normal de cidade do interior, a comida, a lapada, o forró, a feira, os curtumes, as profissões decorrentes, da sulanca: pregar botões, fazer acabamento, empacotar. A fim de me aproximar de meus "personagens", fui entrando um pouco mais na vida das pessoas, naturalmente, com camaradagem, almoçava na casa de uma, encomendava uma colcha a outra, ia nas festas, e fui acompanhando o início desse grande movimento econômico emergente. Conversei com mulheres empresárias para entender o que tornou possível esta revolução. Foi um gerente da agência do banco que, sentindo a possível vocação empresarial das mulheres, abriu uma carteira de crédito para elas comprarem máquinas de costura.

Eu não sinto que tenho um método, mas um jeito de ser. É uma questão de empatia, feeling, consideração. Vi tudo acontecer, vivi com todos os tipos de pessoas e encontrei maneiras de retratá-las, de valorizá-las.

KARLA: Você costuma empregar elementos da ficção em seus documentários, como vemos muito em Sulanca. Para você, existe algo que seja específico ao realizar um documentário, que seja próprio do documentário? Qual a diferença na concepção de um filme documentário ou uma ficção?

KATIA: Gosto muito do hibridismo, que naturalmente permeia os documentários desde os primórdios do cinema. Os filmes de Flaherty e Vertov não estavam vinculados a nenhum limite formal. O que eu faço surge como uma resposta às questões que estou retratando. Os elementos ficcionalizados não antagonizam o real; pelo contrário, eles corroboram os fatos retratados.

KARLA: Sulanca usa muita encenação e reforça alguns sentidos na montagem. Por exemplo, algumas vezes aparece a imagem de um senhor inerte sentado numa cadeira de balanço e, ao lado, sua mulher trabalhando ativamente na máquina de costura – sem uma palavra, você diz muito com essa imagem. Ou mesmo quando você desloca uma costureira para usar sua máquina fora de casa, em meio a pedras. Você pode falar como essas cenas foram construídas?

KATIA: A cena com o velho na cadeira estava pronta. Eu fui lá várias vezes e ela estava trabalhando naquela máquina de costura, fumando seu cachimbo... Só preparei o quadro. A casa era muito estreita e eles estavam muito próximos. A cena da costureira no lajeiro criei na hora, quando eu percebi a intimidade da mulher com ele: era seu quintal, onde estendia as roupas, tomava banho de cuia, catava feijão sentada nas pedras. Foi uma extensão da vivência. E a luz ficava muito mais bonita do lado de fora. De início a cena seria interior.

O forró e a quadrilha, os bacamarteiros eram reais – aproveitei a festa de São João que estava acontecendo. Pedia autorização de imagem e filmava, com a câmera previamente postada. Pagava um cachê para alguns, cerveja e tira gosto, pra animar. A mesma coisa no puteiro. Ia mais cedo, conversava, explicava que era só a dança, que se alguém não quisesse ser filmado fosse para o outro lado, dava um agrado para as meninas, uma rodada de [cachaça] Pitu e tudo bem. Era muito pouco invasivo. Pedi que agissem naturalmente, para esquecer que estávamos lá. De repente começamos a nos misturar, até mesmo os membros da equipe estavam dançando, e as mulheres se esqueceram que estavam sendo filmadas.

Também fiz a direção de arte para o filme. Optei pela temática das bonecas de pano, escolhi elas na feira. Estive presente em todas as etapas do filme, inclusive na montagem. Gosto muito de construir o cenário, usando os elementos que já estão lá. As surpresas sempre me agradam – chamo de presentes – coisas inesperadas, soluções repentinas, imprevistos. As três mulheres que passam com coisas na cabeça atravessaram meu quadro, apenas troquei o que elas estavam levando para tornar mais simbólico e metafórico.

KARLA: Em um documentário, talvez mais que em ficção, o trabalho com o diretor de fotografia deve ser de extrema confiança, uma vez que a cena, muitas vezes, se dá no momento da filmagem, podendo ser imprevista e sem tempo para repetição. Em Sulanca, como em outras obras suas, a fotografia é do Sany Lafon Padua, que também era seu companheiro. Pode nos dizer como você abordou a cinematografia em Sulanca?

KATIA: Naquela época, Sany me acompanhava durante a pesquisa e pré-produção dos filmes. Tudo era acordado e discutido antecipadamente, porque ele era um grande mestre quando se tratava de filmes em 35mm. Ele trabalhou com os melhores cineastas do Rio de Janeiro e São Paulo, ele entendia tudo sobre laboratórios, lentes, iluminação, estúdios, fundos infinitos, aspectos técnicos, relatórios, prestação de contas, cronograma, agenda. A fotografia para Sulanca foi pensada para ser o mais naturalista possível. A luz do sertão é bela e Sany tem fotômetro na pele. Tivemos um cuidado extra para escolher as lentes certas para a iluminação. Nas cenas internas, tivemos que montar a câmera sem perturbar o que quer que nossos "personagens" estivessem fazendo. Às vezes precisávamos mudar a iluminação, às vezes tínhamos que corrigi-la com refletores, às vezes tínhamos que remover telhas de uma parte do telhado. Em resumo, quando chegamos para filmar, já sabíamos onde posicionar a câmera, e se a rede elétrica poderia segurar a carga de energia.

Eu queria uma tomada que mostrasse toda a extensão da feira, e naquela época o prédio mais alto de Santa Cruz do Capibaribe tinha três andares, e você imagina que pedir emprestado uma escada Magirus de 30 metros da Companhia Elétrica de Pernambuco não era algo que se resolve da noite pro dia. Tudo era milimetricamente programado em Sulanca, a não ser as surpresas, mas a gente também estava preparado para as surpresas. Filmar em 35mm não pode ser experimental, são muitos técnicos envolvidos, equipamentos, e negativo muito caro, tempo para ver revelado. Naturalmente, existem também as decisões tomadas na hora: o tempo ficou nublado, ou a rede interna não suportou a carga de energia demandada, ou o pôr-do-sol foi deslumbrante, larga o que está fazendo e filma, coisas assim. Mas Sulanca não era “cinéma vérité”.

KARLA: Qual é a melhor maneira para as pessoas terem acesso ao seu trabalho? Onde elas podem assistir seus filmes?

KATIA: Parte do meu trabalho que consegui digitalizar está disponível em meu canal no YouTube, e no site da Cinemateca Pernambucana.

dir.  Eunice Gutman,
1988. 35min
16mm. Color.
Originally aired on television.

WITH ENGLISH SUBTITLES BY RAIAN OLIVEIRA
AVEC SOUS-TITRES FRANCAIS DE ZOÉ BARNES

CON SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL DE LUCIA DE LA TORRE
CON SOTTOTITOLI IN ITALIANO DI MIRKO CERULLO
최모니카의 한국어 자막으로
日本語字幕: イノウエ エミコ
TÜRKÇE ALT YAZI ÇEVİRİSİ: ÖYKÜ SOFUOGLU 

Filmed as Brazil was transitioning back into a democracy after over two decades of dictatorship, ‘Mulheres: uma outra história’ focuses on various aspects of women's participation in the Brazilian political scene and features interviews with some of the 23 women newly elected to the Constituent Assembly who managed to gain the approval of some of their proposals for the Brazilian Constitution which was being written at the time.

 

The film features appearances from suffragist Carmen Portilho, who reminds viewers about the long history of struggle for women to earn the right to vote in the country, and Jandira Feghali and Benedita da Silva who would become some of the most influential political leaders in the country’s history.

Eunice Gutman started her career at the INSAS film school in Brussels, where she graduated with a distinction. Back in Brazil, she edited TV commercials, films, and made her own films. Eunice Gutman was president of the Brazilian Association of Documentarists (ABD/RJ) between 1985 and 1987, and founding member of Abraci - Brazilian Association of Filmmakers. Her feature film " Luzes, memória, mulheres, ação", is currently in production.

Filmado enquanto o Brasil transitava de volta à democracia, após mais de duas décadas sob ditadura, "Mulheres: uma outra história" centra-se nos diversos aspectos da participação das mulheres no cenário político brasileiro e apresenta entrevistas com algumas das 23 mulheres que foram eleitas para a Assembléia Constituinte, e que conseguiram obter a aprovação de algumas de suas propostas para a Constituição Brasileira, que estava sendo elaborada na época.

 

O filme apresenta depoimentos da sufragista Carmen Portilho, que recorda aos espectadores a longa história da luta das mulheres para conquistar o direito de voto no país, e de Jandira Feghali e Benedita da Silva, que se tornaram algumas das líderes políticas mais influentes da história do país.

Eunice Gutman começou sua carreira na escola de cinema INSAS, em Bruxelas, onde se formou com grande destaque. De volta ao Brasil, ela editou comerciais de TV, filmes e realizou seus próprios trabalhos audiovisuais. Eunice Gutman foi presidente da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD/RJ) entre 1985 e 1987, e membro fundador da Abraci - Associação Brasileira de Cineastas. Seu longa-metragem "Luzes, memória, mulheres, ação", está atualmente em produção.

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Mulheres: uma outra história (1988)
Interview Gutman & Aboim 

Interview with Eunice Gutman & Maria Luiza Aboim

Rio de Janeiro-based filmmakers EUNICE GUTMAN and MARIA LUIZA ABOIM first met in the seventies as members of the Brazilian Women’s Center. Later, they created the Cinema and Video Women’s Collective in Rio, one of the first collectives of women filmmakers in Brazil. Both MARIA LUIZA and EUNICE were able to produce their first films through the Collective and they have been friends ever since. Today, both filmmakers continue to produce documentaries, with their work continuing to highlight the role of women in various social movements across the country. For this interview, filmmaker and scholar KARLEE RODRIGUES brought the filmmakers together to discuss three of their films which are presented as part of this programme.

KARLEE RODRIGUES: How did you get started in filmmaking?

MARIA LUIZA ABOIM: It was the seventies, sometime between ’75 and ’78. Eunice and I were part of the Brazilian Women’s Center, the first organisation in Brazil that happily adopted the feminist label. Before that, in the period I associate with Betty Friedan, feminism was considered something for fanchonas [dykes], for unlovable, ugly women. At the Women's Center, we got into groups, each of which looked at solutions to different practical concerns. I was part of the group that studied day care centres, which were rare at the time and which mothers needed in order to work. During my wanderings in Vila Kennedy, a large suburb of Rio that is still very poor, I discovered a very interesting and alternative kind of crèche where local women took care of their neighbours’ children. They weren’t paid in money, but every other week in food, as you see explained in the film. A pantry was set up, and they would go there and get their food stipends. I had a filmmaker friend, Noilton Nunes, and I said to him, “You have to make a film about what’s happening there. It's very interesting!” He turned to me and said, “Not me. You!”

When we got to the crèche, ready to shoot, Noilton said, "Sound, camera, action”, and I remember saying, "What?” I didn’t even know that expression. So that was how ‘Creche-Lar’ (1978) was made. Noilton held the camera, I directed the film. It was the beginning of my filmmaking career.

EUNICE GUTMAN: My mother used to say that I had to be a teacher because this was a woman’s profession. I became an elementary school teacher and said, “Oh, I can't take this!” and I went to the university to study social sciences with a focus on sociology. I was interested in social issues. Why don’t such and such people have such and such a thing? What does the formation of a community look like? I was interested in things like poverty and wealth distribution. When Betty Friedan came to Brazil, I got interested in feminism. I remember turning her phrase over in my head: “The personal is political”. I thought, if the personal is political, then my story is too. I mean, women's stories. I had never heard anybody say these stories were political before. We only talked about poverty, wealth – well-known issues.

At the end of the sixties everybody wanted to leave Brazil. Everybody was going to Paris or New York, and so I got on a plane to Europe. I had a friend who later came to study with me, Regina Veiga, whose brother was studying economics in Brussels. He told us we should go there so we did. There was a wonderful state film school which cost 50 dollars a year and used a lot of filmmaking techniques pioneered in France. I talked to a Brazilian friend of mine who was already in Europe and he told me, “Look, you should do film editing, because here in Europe it’s an absolutely feminine profession.” So I enrolled in a course called ‘Continuity and Editing’. When I came back to Brazil, seven years later, they said to me, “Editing, Eunice? Here in Brazil, editing is a man’s profession.” The editing rooms were really dark and you only had one light bulb on top of the celluloid. There was one director who asked, “Eunice, how can I possibly be alone in a dark room with you?” The implication being, of course, that a man wouldn’t be able to concentrate in a room with a woman. But I fell in love with the work. I didn’t pay attention to whether it was a man or a woman’s job, I just wanted to edit.

KARLEE: What was it like to return to Brazil and work in an industry with this kind of perspective?

EUNICE: Well, I didn’t pay attention to their perspective. I edited several feature films, including Os Doces Bárbaros by Jom Tob Azulay (1976) and a film called O Bandido Antônio Dó (1978) by Paulo Leite Soares, a filmmaker from Minas Gerais. I also edited commercials, which paid well, and short films, which didn’t. I would edit during the week and on the weekend I would make my own short films. Around that time, the law Maria Luiza and I worked on together was passed: the Lei do Curta [Short Film Law]. It meant that a Brazilian short film was required to be exhibited before a foreign feature-length film. We were troubled by the fact that a lot of movie theatres only showed foreign films and Brazilian films had very little exposure. This law still exists today but nobody obeys it.

KARLEE: When did you both first meet?

EUNICE: We met at the Brazilian Women’s Center. Then we founded the Cinema and Video Women’s Collective in Rio de Janeiro, the first collective of women filmmakers. I remember it very well. We used to get together and one time one of the directors of a film I was editing came into the room and there were only us women there. He was looking at us as if to say, “What do you want?” Well, what we wanted was more space within Brazilian cinema.

KARLEE: Can you talk about this organisation and your involvement in it?

EUNICE: The collective started with a meeting of about 30 women...

MARIA LUIZA: About 30. I remember this meeting perfectly. I don't remember the content, but I remember how it looked, this room full of women filmmakers. We demanded the following: that in festivals there should be a space for women’s films, even one separate from the festival program. And that in public calls for submission there should also be a specific call for films by women.

EUNICE: We also had meetings during festivals, important festivals like Gramado and Brasília. We got a lot of attention. But then the collective got smaller because many women thought that if these demands were met we would be isolated from festival programmes. We explained that no, we were going to be in separate programs and also in the main ones.

KARLEE: In ‘Creche-Lar’ the daycare workers are called “volunteer mothers” [mães voluntárias] and in ‘Mulheres: Uma Outra Hístoria’ ('Women: Another Story'), a demonstrator speaks to the camera while breastfeeding. Can you both talk about the presence of motherhood in your films?

MARIA LUIZA: For me, this film was about making initial contact with what poverty was. In Brazil you are surrounded by poverty all the time and you kind of... I won't say that you get used to it, but it is part of the setting. ‘Creche-Lar’ took me inside these people’s homes. I remember that the children slept in their clothes. I don’t think this made it into the film: in the scene where the mother gets her child out of bed in the morning, I think the child is dressed in pyjamas, but that was one of the things that struck me – what it must have been like wearing the same clothes all the time.

EUNICE: How I portray mothers has so much to do with my own experience. My father was from Poland and my mother from Pernambuco, which is a state in the north of the country, and they came to Rio de Janeiro, a place that welcomed everybody. I think this is still the case today. Here there is this mix of people who come from all over Brazil and also from abroad.

My father died young. Suddenly we didn’t have any income. We were children and we still depended on our mother. I watched her figure out how she was going to survive with the three of us. Her family in Pernambuco said, “Come here and we'll help you,” but she said no. She liked Rio de Janeiro – it was freer. So she started working. I remember that the first job she got was in a… What do you call it? A place that manufactures books.

MARIA LUIZA: A publisher?

EUNICE: No, it manufactured them. She would get the books and we would help her put the ribbons on the binding before gluing the pages in. Even today I think about those ribbon. She had several crazy jobs and we helped her with all of them. Then she started to study for a competitive exam. Our uncle, her brother, told her: “There is going to be a contest. You can be a secretary at the Ministry.” She said, “But I don't know how to type!” and he said, “Go learn.” And she did. She took a typing course and passed the exam. Then things got better.

So from an early age I saw the unique independence of women, and I think this comes through in my later work.

KARLEE: Your films show collective effort among women beautifully. ‘Creche-Lar’ looks at how women came together to create a community daycare center. Another kind of sisterhood is seen in ‘Mulheres: uma outra história’, which explores the role of women in the rewriting of the Brazilian Constitution. Can you talk more about this sisterhood?

EUNICE: I think sisterhoods always form in the development of movements. You can get together if you are asking for the same thing, even if you are from different classes. This is what happened in ‘Mulheres: uma outra história’ – deputies and senators from different parties got together to demand improvements to the lives of women in Brazil. And that is what we achieved. Not a lot, but we achieved some things with this unity.

KARLEE: And when ‘Creche-Lar’, ‘Mulheres: uma outra história’ and ‘Amores de rua’ (‘Street Loves’) were first shown to the public, what kind of reaction did their first audiences have?

 

MARIA LUIZA: I only discovered ‘Creche-Lar’ recently in the Cinemateca of São Paulo. So I have my first film, which is something that many of my contemporaries have lost. There was a time when films were kept in the Rio Museum of Modern Art (Cinemateca do MAM), but then they closed the film library and some went to the National Archive. I looked for ‘Creche-Lar’ for decades until one day I found out it was in the Cinemateca of São Paulo. I used to tell people that I’d made a film about daycare centres but that I didn’t have it anymore. When I watched it a couple of years ago, after all that time, I was very moved because, really, [the film] was so far behind. I was completely ignorant of what filmmaking was. It came out of a sensibility.

EUNICE: You also asked about the film ‘Amores de Rua’, which is a film about prostitution. I had met Gabriela Silva Leite at a feminist meeting. The most interesting thing about these meetings was that we talked about things that were not normally discussed and which were sometimes even forbidden or considered taboo. Prostitution was one of those issues. But I saw Gabriela in one of those meetings and I was fascinated by the things she said because she expressed some of our feelings so perfectly. So I asked Gabriela if she would give a statement for the film and she said, “Of course!” I went to talk to her and recorded a bunch of interviews.

I got to know the other protagonists and looked around for financing. The first place I approached was the Itaú bank, which at that time received independent producers. Then the guy said, “Ah, Eunice, really?” At that time I was already a little known because I had won a lot of awards with the Rocinha film. He said, “Really! Prostitution? Are you going to make a film about that? Find another subject and come back.” A friend of mine, Frederico Füllgrafhad, who lived in Germany, said, “Do something. Write the project and send it to this funder here.” It was a German Protestant fund and they decided to give me, I don't know, 20,000 dollars and that was it. I made the film. I remember everyone in Europe laughing when the film was shown. Here not so much, because people didn’t really know what the entity was, but in Europe they were laughing, saying: “How did you get money to make this film with Protestant money from Germany?”

And that was it. The film won an award at the New York Film Festival. I sent it there and suddenly I got a letter saying that I had won an Honorable Mention. I was so surprised. Because the film is not only about prostitution, but also about sexuality. It talks about how one kind of sexuality is permissible and another isn’t, you know? I was interested in both. One of the transvestites in film says something like, “The men who come here are married, fathers of children, but they come here looking for us…” I think people liked the film because it exposed that kind of sexuality, made it less cut off and hidden. The issues were put on the table in such a direct way that they ended up not offending anyone.

KARLEE: Were you involved in women-focused activism before you got into film? And, if so, tell me how those experiences impacted the type of film you made. Can you tell me about your first experiences?

MARIA LUIZA: I was a feminist before I was a filmmaker. I wasn’t involved in cinema, I had nothing to do with it, but as a feminist I went to visit the communities that I eventually ended up working with, for example the daycare centre that led me to cinema. Later, I lived in the United States for 10 years, during the nineties, and for eight of those years I worked in a shelter for women who had experienced violence. I worked with more than 400 women. When I came back to Brazil on my vacations, I would research the issue here, and then I made a film about domestic violence.

EUNICE: I started to think about women as a subject later. Before that I had made some films about Rocinha – the largest favela in Brazil – and education. When we move onto this subject of women we also enter into very deep work on ourselves, because you’re telling truths you know very well but that nobody wants to hear.

MARIA LUIZA: I felt that I was often having experiences in my life that made me think: “People have to know this. People need to! How can people not know that?” Even the movie about Candomblé [an African diasporic religion that developed in Brazil during the 19th century]. Candomblé in Brazil is seen as something… I can’t even describe it – it’s like it’s seen as something from another world, something dangerous and distant. After I’d had this experience of living inside a Candomblé house for seven years, I said “People have to know about this! About all the life that is around Candomblé.” Candomblé, like all religions, is a community. It’s a place where you feel protected. If you lose everything you have, you can go to a terreiro – a communal space where you have food for yourself, for your children, and a place to sleep – and live there for as long as you need, It’s a community where you feel you belong.[1] Where you speak the same language. And so part of being there was the excitement of experiencing all these things and thinking, “How can people not know about this? They have to know about this!”

EUNICE: I think we make films because of something bigger than ourselves. And then we have to do it because it is a means of revealing certain things that really we also wanted to clarify for ourselves.

KARLEE: What advice would you give to the new and future Brazilian filmmakers of today?

EUNICE: They are already living in a world shaped by the conquests we achieved. But the struggle still has a long way ago. These advances are very slow. We made these films how many years ago? Forty years ago.

MARIA LUIZA: Almost 50!

EUNICE: Fifty years ago! And they are still relevant to people today; the struggle is still ongoing.

MARIA LUIZA: How slow it all is! For us, feminism started in the seventies, but now 50 years have passed and we still have the feeling that it is in its infancy and that there is still a lot to be internalised by society. That is our proposal, our request to be heard.
 

[1] Terreiros are the houses where Candomblé is practiced.

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Eunice Gutman, Santinha and Inés Magalháes

Entrevista com a Eunice Gutman e Maria Luiza Aboim

As cineastas cariocas EUNICE GUTMAN e MARIA LUIZA ABOIM se conheceram nos anos setenta como membros do Centro da Mulher Brasileira. Mais tarde, elas criaram o Coletivo de Mulheres de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro, um dos primeiros coletivos de mulheres cineastas do Brasil. Tanto MARIA como EUNICE conseguiram realizar seus primeiros filmes através do Coletivo e são amigas desde então. Hoje, as duas cineastas continuam a produzir documentários, e seu trabalho segue destacando o papel da mulher em vários movimentos sociais em todo o país. Para esta entrevista, a realizadora e pesquisadora KARLEE RODRIGUES trouxe ambas as cineastas para discutir três de seus filmes que estão sendo exibidos como parte deste programa.

KARLEE RODRIGUES: Como vocês começaram a fazer filmes?

MARIA LUIZA ABOIM: Eram os anos setenta, entre 75 e 78. Eunice e eu fazíamos parte do Centro da Mulher Brasileira, a primeira organização no Brasil a se assumir como feminista. Antes disso, no período em que me associei a Betty Friedan, o feminismo era considerado algo para as fanchonas, para as mulheres feias e mal amadas. No Centro da Mulher, nós nos dividíamos em grupos, cada um dos quais buscava soluções para diferentes preocupações práticas. Eu fazia parte do grupo que estudava creches, que eram raras na época e que as mães precisavam para trabalhar. Durante minhas andanças na Vila Kennedy, um grande subúrbio do Rio que ainda é muito pobre, descobri um tipo de creche muito interessante e diferente onde as mulheres locais cuidavam dos filhos de suas vizinhas. Elas não eram pagas em dinheiro, mas a cada duas semanas em comida, como você vê explicado no filme. Foi montado um armazém, e elas iam lá e recebiam seus valores em alimento. Eu tinha um amigo cineasta, Noilton Nunes, e lhe disse: "Você tem que fazer um filme sobre o que está acontecendo lá. É muito interessante!" Ele virou para mim e falou: "Eu não. Você!".

Quando chegamos à creche, prontos para filmar, Noilton disse: "Som, câmera, ação", e eu me lembro de dizer: "O quê?". Eu nem conhecia essa expressão. Então foi assim que Creche-Lar (1978) foi feito. Noilton segurou a câmera, eu dirigi o filme. E assim começou a minha história no cinema.

EUNICE GUTMAN: Minha mãe costumava dizer que eu tinha que ser professora porque esta era uma profissão de mulher. Eu me tornei professora do ensino fundamental e disse: "Ih, não vou aguentar!" e fui para a universidade para estudar ciências sociais com foco em sociologia. Eu estava interessada nas questões sociais. Por que tais e tais pessoas não têm tal e tal coisa? Como é a formação de uma comunidade? Eu me interessava por coisas como pobreza e distribuição de renda. Quando Betty Friedan veio ao Brasil, eu me interessei pelo feminismo. Lembro de ficar com uma frase dela na minha cabeça: "O pessoal é político". Pensei, se o pessoal é político, então minha história também é. Quer dizer, as histórias das mulheres. Eu nunca tinha ouvido ninguém dizer que estas histórias eram políticas antes. Falávamos apenas de pobreza, riqueza – questões bem conhecidas.

No final da década de sessenta, todos queriam deixar o Brasil. Todos estavam indo para Paris ou Nova York, e assim eu embarquei em um avião para a Europa. Eu tinha uma amiga que mais tarde veio estudar comigo, Regina Veiga, cujo irmão estava estudando economia em Bruxelas. Ele nos disse que deveríamos ir para lá e nós fomos. Havia uma escola maravilhosa de cinema estatal que custava 50 dólares por ano e usava muitas técnicas de cinema pioneiras na França. Falei com um amigo meu brasileiro que já estava na Europa e ele me disse: "Olha, você deveria fazer montagem de filmes, porque aqui na Europa é uma profissão absolutamente feminina". Então me inscrevi em um curso chamado 'Continuidade e Montagem'. Quando voltei ao Brasil, sete anos depois, eles me disseram: "Edição, Eunice? Aqui no Brasil, a edição é uma profissão de homem". As salas de edição eram muito escuras e você só tinha uma lâmpada em cima do celulóide. Teve um diretor que perguntou: "Eunice, como posso estar sozinho em uma sala escura com você?". A implicação era, é claro, que um homem não seria capaz de se concentrar em uma sala com uma mulher. Mas eu me apaixonei pelo trabalho. Não prestei atenção se era um trabalho de homem ou de mulher, eu só queria editar.

KARLEE: Como foi retornar ao Brasil e trabalhar em uma indústria com esse tipo de perspectiva?

EUNICE: Bom, eu não prestei atenção nessa história. Editei vários longas-metragens, incluindo Os Doces Bárbaros (1976) de Jom Tob Azulay e um filme chamado O Bandido Antônio Dó (1978) de Paulo Leite Soares, um cineasta mineiro. Também editei comerciais, que pagavam bem, e curtas-metragens, que não pagavam. Eu editava durante a semana e no fim de semana fazia meus próprios curtas-metragens. Por volta dessa época, foi aprovada a lei que Maria Luiza e eu trabalhamos juntas: a Lei do Curta. Isso significava que um curta-metragem brasileiro deveria ser exibido antes de um longa-metragem estrangeiro. Ficamos preocupadas com o fato de que muitas salas de cinema só exibiam filmes estrangeiros e os filmes brasileiros tinham muito pouca exposição. Esta lei ainda existe hoje, mas ninguém a obedece.

KARLEE: Quando vocês duas se conheceram?

EUNICE: Nós nos conhecemos no Centro Mulher Brasileira. Depois fundamos o Coletivo de Mulheres de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro, o primeiro coletivo de mulheres cineastas. Lembro muito bem disso. Costumávamos nos reunir e uma vez um dos diretores de um filme que eu estava montando entrou na sala e lá só estávamos nós mulheres. Ele nos olhou como se dissesse: "O que vocês querem?". Bem, o que nós queríamos era mais espaço dentro do cinema brasileiro.

KARLEE: Você pode falar sobre esta organização e seu envolvimento nela?

EUNICE: O coletivo começou com uma reunião de cerca de trinta mulheres...

MARIA LUIZA: Cerca de trinta. Eu me lembro perfeitamente dessa reunião. Não me lembro do conteúdo, mas lembro como era o visual, uma sala cheia de mulheres cineastas. Exigimos o seguinte: que nos festivais houvesse um espaço para os filmes das mulheres, até mesmo um separado do programa do festival. E que nos convites públicos para a apresentação de filmes, também deveria haver um convite específico para filmes de mulheres.

EUNICE: Também tivemos reuniões durante festivais, festivais importantes como Gramado e Brasília. Tivemos muita atenção. Mas então o coletivo ficou menor porque muitas mulheres pensavam que se essas exigências fossem atendidas estaríamos isoladas dos programas dos festivais. Explicamos que não, que estaríamos em programas separados e também nos principais.

KARLEE: Em Creche-Lar, as trabalhadoras da creche são chamadas de "mães voluntárias" e em Mulheres: Uma Outra História, uma manifestante fala para a câmera enquanto amamenta. Ambas podem falar sobre a presença da maternidade em seus filmes?

MARIA LUIZA: Para mim, este filme era sobre fazer o contato inicial com o que era a pobreza. No Brasil, você está sempre cercado de pobreza e você... Não vou dizer que você se acostuma, mas faz parte do cenário. Creche-Lar me levou para dentro da casa dessas pessoas. Eu me lembro que as crianças dormiam de roupa. Acho que isso não entrou no filme: na cena em que a mãe tira o filho da cama pela manhã, acho que a criança está vestida de pijama, mas essa foi uma das coisas que me chamou a atenção – como devia ser usar a mesma roupa o tempo todo.

EUNICE: Como eu retrato as mães tem muito a ver com minha própria experiência. Meu pai era da Polônia e minha mãe de Pernambuco, que é um estado do norte do país, e eles vieram para o Rio de Janeiro, um lugar que recebia todo mundo. Acho que este ainda é o caso hoje. Aqui há esta mistura de pessoas que vêm de todo o Brasil e também do exterior.

Meu pai morreu jovem. De repente, não tínhamos nenhuma renda. Éramos crianças e ainda dependíamos da nossa mãe. Eu a vi tendo que descobrir como ela ia sobreviver com nós três. Sua família em Pernambuco disse: "Vem para cá e a gente te ajuda", mas ela disse que não. Ela gostava do Rio de Janeiro – era mais livre. Então ela começou a trabalhar. Lembro que o primeiro emprego que ela conseguiu foi em um... Como você chama isso? Um lugar que fabrica livros.

MARIA LUIZA: Uma editora?

EUNICE: Não, ela os fabricava. Ela recebia os livros e nós a ajudávamos a colocar as fitas na encadernação antes de colar as páginas. Ainda hoje eu penso nessas fitas. Ela tinha vários trabalhos malucos e nós a ajudávamos com todos eles. Então, ela começou a estudar para um concurso. Nosso tio, seu irmão, disse: "Vai ter um concurso. Você pode ser secretária no Ministério". Ela disse: "Mas eu não sei digitar!" e ele disse: "Vá aprender". E ela foi. Ela fez um curso de digitação e passou no exame. Depois as coisas melhoraram.

Assim, desde cedo eu vi a independência da mulher, e acho que isto se concretiza em meu trabalho posterior.

KARLEE: Seus filmes mostram o esforço coletivo entre as mulheres de forma bela. Creche-Lar analisa como as mulheres se reuniram para criar uma creche comunitária. Outro tipo de irmandade é visto em Mulheres: Uma Outra História, que explora o papel da mulher na reescrita da Constituição Brasileira. Você pode falar mais sobre esta irmandade?

EUNICE: Eu acho que as irmandades sempre se formam no desenvolvimento dos movimentos. Podem se reunir se estiverem pedindo a mesma coisa, mesmo que sejam de classes diferentes. Foi o que aconteceu em Mulheres: Uma Outra História – deputadas e senadoras de diferentes partidos se reuniram para exigir melhorias na vida das mulheres no Brasil. E foi isso o que conseguimos. Não muito, mas conseguimos algumas coisas com esta união.

KARLEE: E quando Creche-Lar, Mulheres: Uma Outra História e Amores de Rua foram mostrados ao público pela primeira vez, que tipo de reação tiveram as primeiras audiências dos filmes?

MARIA LUIZA: Só descobri o Creche-Lar recentemente na Cinemateca de São Paulo. Assim, tenho meu primeiro filme, que é algo que muitos de meus contemporâneos já perderam. Houve um tempo em que os filmes eram mantidos no Museu de Arte Moderna do Rio (Cinemateca do MAM), mas depois fecharam a cinemateca e alguns foram para o Arquivo Nacional. Procurei Creche-Lar por décadas até que um dia descobri que estava na Cinemateca de São Paulo. Eu falava para as pessoas que tinha feito um filme sobre creches, mas que não o tinha mais. Quando o assisti há alguns anos, depois de todo esse tempo, fiquei muito emocionada porque, na verdade, [o filme] estava muito lá atrás. Eu ignorava completamente o que era fazer um filme. Saiu na sensibilidade.

EUNICE: Você também perguntou sobre o filme Amores de Rua, que é um filme sobre prostituição. Eu tinha encontrado Gabriela Silva Leite em uma reunião feminista. O mais interessante sobre estas reuniões era que falávamos sobre coisas que normalmente não eram discutidas e que às vezes eram até proibidas ou consideradas tabu. A prostituição era uma dessas questões. Mas eu vi Gabriela em uma dessas reuniões e fiquei fascinada com as coisas que ela disse porque ela expressou alguns de nossos sentimentos de forma tão perfeita. Então perguntei a Gabriela se ela faria uma declaração para o filme e ela disse: "É claro!" Fui falar com ela e gravei um monte de entrevistas.

Conheci outros personagens e procurei por financiamento. O primeiro lugar que me aproximei foi o banco Itaú, que naquela época recebia produtores independentes. Aí o rapaz disse: "Ah, Eunice, fala sério!" Naquela época eu já era um pouco conhecida porque eu havia ganho muitos prêmios com o filme da Rocinha. Ele disse: "Fala sério! Prostituição? Você vai fazer um filme sobre isso? Encontre outro assunto e volte". Um amigo meu, Frederico Füllgrafhad, que morava na Alemanha, disse: "Faz assim... Escreva o projeto e envie-o para este financiador aqui". Era um fundo protestante alemão e eles decidiram me dar, não sei, 20.000 dólares e foi isso. Eu fiz o filme. Lembro de todos na Europa rindo quando o filme foi exibido. Aqui não tanto, porque as pessoas não sabiam realmente o que era a entidade, mas na Europa eles riam, dizendo: "Como você conseguiu dinheiro para fazer este filme com dinheiro protestante da Alemanha?"

E foi isso. O filme ganhou um prêmio no Festival de Cinema de Nova York. Enviei-o para lá e de repente recebi uma carta dizendo que havia ganho uma Menção Honrosa. Fiquei tão surpresa. Porque o filme não é apenas sobre prostituição, mas também sobre sexualidade. Ele fala sobre como um tipo de sexualidade é permissível e outro não é, sabe? Eu estava interessada em ambos. Uma das travestis do filme diz algo como: "Os homens que vêm aqui são casados, pais de filhos, mas eles vêm aqui à nossa procura...". Acho que as pessoas gostaram do filme porque ele expunha esse tipo de sexualidade, a tornava menos isolada e escondida. As questões foram colocadas na mesa de forma tão direta que acabaram não ofendendo ninguém.

KARLEE: Você estava envolvida em ativismo focado na mulher antes de entrar no cinema? E, se sim, diga-me como essas experiências impactaram o tipo de filme que vocês faziam. Vocês podem me contar sobre suas primeiras experiências?

MARIA LUIZA: Eu era uma feminista antes de ser uma cineasta. Não estava envolvida com cinema, não tinha nada a ver com isso, mas como feminista fui visitar as comunidades com as quais acabei trabalhando, por exemplo, a creche que me levou ao cinema. Mais tarde, vivi nos Estados Unidos durante 10 anos, durante os anos noventa, e durante oito desses anos trabalhei em um abrigo para mulheres que haviam sofrido violência. Trabalhei com mais de 400 mulheres. Quando voltava ao Brasil em minhas férias, eu pesquisava o assunto aqui, e depois fiz um filme sobre violência doméstica.

EUNICE: Comecei a pensar nas mulheres como um assunto mais tarde. Antes disso tinha feito alguns filmes sobre a Rocinha – a maior favela do Brasil – e educação. Quando passamos a este tema das mulheres, também entramos em um trabalho muito profundo sobre nós mesmas, porque você está dizendo verdades que conhece muito bem, mas que ninguém quer ouvir.

MARIA LUIZA: Senti que muitas vezes tive experiências em minha vida que me fizeram pensar: "As pessoas têm que saber disso. As pessoas precisam saber! Como as pessoas podem não saber disso?" Mesmo o filme sobre o Candomblé [uma religião africana diaspórica que se desenvolveu no Brasil durante o século XIX]. O Candomblé no Brasil é visto como algo... Não sei nem descrever – é como se fosse visto como algo de outro mundo, algo perigoso e distante. Depois de ter tido esta experiência de viver dentro de uma casa de candomblé por sete anos, eu disse: "As pessoas têm que saber disso! Sobre toda a vida que está ao redor do Candomblé". O candomblé, como todas as religiões, é uma comunidade. É um lugar onde você se sente protegido. Se você perder tudo o que tem, pode ir a um terreiro – um espaço comunitário onde tem comida para você, para seus filhos e um lugar para dormir – e viver lá o tempo que você precisar, é uma comunidade e onde você sente que pertence.[1] Onde se fala a mesma língua. E assim, parte de estar lá foi a emoção de experimentar todas essas coisas e pensar: "Como as pessoas não sabem disso? Elas têm que saber!"

EUNICE: Acho que fazemos filmes por causa de algo maior do que nós mesmas. E então temos que fazê-lo porque é um meio de revelar certas coisas que também queríamos esclarecer para nós mesmas.

KARLEE: Que conselho você daria às novas e futuras cineastas brasileiras de hoje?

EUNICE: Elas já estão vivendo em um mundo moldado pelas conquistas que alcançamos. Mas a luta ainda tem um longo caminho pela frente. Estes avanços são muito lentos. Fizemos estes filmes há quantos anos? Quarenta anos atrás.

MARIA LUIZA: Quase cinquenta!

EUNICE: Há cinquenta anos! E eles ainda são relevantes para as pessoas de hoje; a luta ainda está em curso.

MARIA LUIZA: Como tudo isso é lento! Para nós, o feminismo começou nos anos setenta, mas agora cinquenta anos se passaram e ainda temos a sensação de que ele está na infância e que ainda há muito a ser internalizado pela sociedade. Esta é nossa proposta, nosso pedido para sermos ouvidas.

 

[1] Terreiros são as casas onde o Candomblé é praticado.

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'Amores de rua' (1994)

AMORES
DE RUA

dir.  Eunice Gutman,
1994. 29min
Video. Color.
Originally aired on television.

WITH ENGLISH SUBTITLES BY RAIAN OLIVEIRA
AVEC SOUS-TITRES FRANCAIS DE ZOÉ BARNES

CON SUBTÍTULOS EN ESPAÑOL DE LUCIA DE LA TORRE
CON SOTTOTITOLI IN ITALIANO DI MIRKO CERULLO
최모니카의 한국어 자막으로
日本語字幕: 勝田 あけの
TÜRKÇE ALT YAZI ÇEVİRİSİ: ÖYKÜ SOFUOGLU 

 

‘Amores de Rua’ questions the attitude towards sexuality espoused by a society in which sex workers fight for the right to citizenship. The film travels through Vila Mimosa, Praça Mauá and erotic nightclubs frequented by all genders, where performers mouth along to camp hits. The film presents a discussion about sexuality based on testimonies from sex workers, transgender women and representatives of associations including Euridice Coelho (then president of the Association of Prostitutes of Rio de Janeiro) and Gabriela Silva Leite (from the organisation Vida Prostituição, Direitos Civis e Saúde).

 Amores de Rua questiona a atitude frente à sexualidade defendida por uma sociedade na qual as trabalhadoras do sexo lutam pelo direito à cidadania. O filme transita pela Vila Mimosa, pela Praça Mauá e pelas boates eróticas frequentadas por todos os gêneros, onde artistas se apresentavam para tocar sucessos. Trata-se de uma discussão sobre sexualidade com base em depoimentos de profissionais do sexo, mulheres transexuais e representantes de associações, incluindo Euridice Coelho (então presidente da Associação de Prostitutas do Rio de Janeiro) e Gabriela Silva Leite (da Vida Prostituição, Direitos Civis e Saúde).

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